Após se dedicar a compor histórias curtas interligadas pelo mesmo tema, o quadrinista americano Dash Shaw realizou uma audaciosa ruptura em sua carreira: dedicou dois anos e meio para desenvolver um projeto de maior fôlego que fosse responsável por lhe transformar em uma das promessas dos quadrinhos alternativos e promover sua obra à lista de obrigatórios nos lançamentos de 2008, recebendo elogios por sua narrativa madura em contraposição a sua pouca idade.
Dividido em três partes, Umbigo Sem Fundo é um épico familiar narrando as desventuras da família Loony e seu deslocamento interno. A trama se inicia em um reencontro obrigatório de seus membros quando os patriarcas, Maggie e David, anunciam o divórcio após 40 anos casados. Ao elaborar uma obra longa, Shaw se dedica a desenvolver a personalidade de cada integrante de sua família para criar um perfil de suas deficiências internas e analisar a falta de unidade familiar, e como cada um dos três filhos do casal lida com o término da relação dos pais.
Registrando o cotidiano de cada um nesta semana atípica, quando todos passam a conviver novamente sob o mesmo teto, o autor aponta que não só o afastamento familiar acontece naturalmente pelo tempo como a personalidade de cada um voltada somente para si é um catalisador desta destruição. De maneira isolada, cada personagem carrega uma falta de conhecimento próprio e a incapacidade de se relacionar com os outros, demonstrando uma ausência de contato que destrói qualquer comunicação.
Dentro do seio familiar, composto por pai, mãe e três filhos, observamos personalidades distintas que interpretam de maneira diferenciada o conceito de uma família. Dennis, o mais velho, é o mais empático com o conflito dos pais: tenta encontrar uma justificativa para o divórcio, o primogênito que vê a família como um porto seguro que aos poucos se desintegra; Claire, a filha do meio, espelha sua trajetória com a dos pais, compreendendo a separação por ser uma mãe solteira divorciada, fato que não a inibe dos medos de criar a filha adolescente Jill. Por fim, o caçula Peter representa a figura mais desgarrada da família, reconhecendo seu distanciamento e a disfunção de sua família como um crítico que não possui voz ativa em sua casa. Inseguro e tímido, seu deslocamento é tanto que seus traços são antropomorfizados em um sapo.
Composto em preto e branco, o quadrinista se vale de conceitos narrativos variados para promover agilidade a sua longa trama. Além de desenvolver sequências somente com imagens, dando às onomatopeias a função de expressar ações específicas, não padroniza a quantidade de quadros em cada cena. Seus traços são simples e representativos, destacando os silêncios presentes na família e transformando o ambiente, outrora acolhedor, em um local claustrofóbico. Neste aspecto, é significativo destacar como a casa, estabelecida em local praiano, sempre parece suja devido ao acúmulo de areia nos móveis, uma poeira que encobre o ambiente e os personagens como se fisicamente representasse a antiguidade do local. Igualmente, o significado do nome da família, Loony, é traduzido como “malucos” ou “doidos”, carregando até mesmo em seu registro um sinal de sua incoerência.
Ao tentar desvendar as falhas familiares, o cerne da união do casal demonstra o significado do título da obra em uma bonita metáfora que representa a unidade do casal em tempos anteriores. Grande parte do sucesso e brilhantismo da história se deve ao fato de que Shaw evita uma conclusão, deixando o significado de seu épico a cargo do leitor e de sua bagagem, a mesma que lhe trará uma inevitável identificação com um dos membros da família
Escrevendo em suas entrelinhas o significado implícito de sua narrativa, Umbigo Sem Fundo reflete em sua gama de personagens uma típica família entre uma bem executada e sensível densidade que revela o talento de Shaw e aponta que, no fundo, um conjunto de seres convivendo sob o mesmo teto não necessariamente representa unicidade.
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