Crítica | Capitão América: Guerra Civil

Capitao America - Guerra Civil

O mundo tem se tornado um lugar cada vez mais complexo, embora menos violento, fazendo com que a tomada de decisões se torne uma função cada dia mais ingrata. Se antes era fácil decidir o que era certo e o que era errado, hoje a matiz se diversificou.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, o cientista Oppenheimer fala a público sobre sua participação no Projeto Manhattan (que formulou as bombas jogadas em Hiroshima e Nagasaki). Com amargura, cita Bhagavad Gitá e o texto Mahabarata da cultura Hindu, quando Vishnu tenta convencer o príncipe a cumprir seu dever, e para impressioná-lo assume sua forma com múltiplos braços: “Agora eu tornei-me a morte, a destruidora de mundos”. Já a visão de parte da tripulação do avião que carregava as bombas atômicas, endossada pelo presidente Truman, era “Eu estava obedecendo ordens. Eu fiz o meu dever”. Escolher o argumento do dever é escolher não conviver com a culpa e a responsabilidade, um mecanismo de defesa frequente no qual se convence que não teve escolha. Em uma visão quase romântica, que só poderia ter sido assim, tal como foi. Exatamente qualquer ato malévolo pode ser igualmente reduzido apenas ao cumprimento do dever, isso, porém, não dissolve as questões éticas e atemporais da maldade. Este tipo de reflexão é crucial para evitar que épocas fascistas de nossa história não sejam hoje vistas com romantismo imaturo ou postura blasé.

Capitão América: Guerra Civil tem início com o grupo dos Vingadores já estabelecido como uma força civil de combate ao terrorismo em diversos países do mundo sem obedecer fronteiras. Com incidentes recorrentes, como os que se deram em Vingadores: Era de Ultron e a falta de participação de governos nas decisões do grupo, surge o medo de o que é se viver num mundo onde se tem heróis fantásticos. Após uma missão frustrada na Nigéria surge o apelo pela responsabilização dos Vingadores em seus atos, quando entra em ação o então secretário de defesa General Ross (vivido Willian Hurt aqui e em O Incrível Hulk) com a missão de colocar os Vingadores sob sua tutela, e assim obedecer as ordens do conselho de segurança da ONU. Ao trazer a questão para o mundo real, ações moralmente duvidosas como o uso de drones para julgar e executar criminosos no oriente médio recebem aceitação popular simplesmente por estarem atreladas a um governo, mas seriam seriamente repreendidas caso viessem da sociedade civil.

Vivemos em uma época de prosperidade, mas em cuja inocência se extinguiu. Não é mais possível comprar um item sem sequer estar compactuando com trabalhos escravos, exploração da natureza, ou com o terror em países abandonados à própria sorte.

Steve Rogers (Chris Evans) une todos esses paradoxos em si. Um homem profundamente solitário que busca lutar pelo coletivo. Descrente de instituições em uma visão foucaltiana, que considera as instituições como naturalmente perversas, compreende que o mundo é obscuro e não há inocência na mais simples ação, mas também acredita poder saber o que é o certo e o que é o errado, sem precisar democratizar suas decisões. Tony Stark (Robert Downey Jr, em uma interpretação muito mais sensível que em suas outras aparições) da mesma forma usa seu ego e genialidade para moldar o mundo à sua imagem e semelhança, como um construtor moderno, um futurista que, pela potência de suas ações, faz o mundo se curvar para elas. Repetidamente se observa Stark, assim como Vishnu, tornar-se o destruidor de mundos.

A incapacidade de ter certezas e a impossibilidade de não agir destrói o interior desses dois personagens, que no fundo veem a tentativa de controle como uma forma de evitar a profundeza de suas consciências e, assim, lutam para garantir algum propósito a suas existências.

Os irmãos Russo, diretores de Capitão América 2: O Soldado Invernal e dos próximos Vingadores, conseguem discutir estas questões sem dar respostas, a não ser a de que é necessário cuidado ao se entregar por completo a uma crença, ou a corrupção e destruição serão o próximo passo. Distante de criar uma dicotomia fácil, buscam tornar crível o embate entre ao dois lados liderados por Capitão América e Homem de Ferro, ao desenvolvê-lo tão humano quanto possível. A referência aqui é Hamlet, de William Shakespeare, primeiro homem moderno da literatura, que no confronto com a morte diante da caveira questiona sua própria existência e aquilo que se é. Capitão América se torna, assim, o príncipe confuso e amargurado, mas de bom coração e ideais tão robustos quanto falhos, que se tornaria rei mesmo que ainda vivesse em uma casca-de-noz.

Com uma melhora clara na direção com relação ao filme anterior, em belas cenas de câmera à mão e na opção por usar planos ligeiramente mais longos sem cortes aparentes em diversas cenas, o ritmo de Capitão América: Guerra Civil é impecável, embora o tempo de projeção seja sentido devido ao volume de informação. O trunfo para lidar com tantos personagens é fazer do antagonista uma face alternativa da moeda que será jogada, tornando-o mais um conceito do que um personagem. Tal aposta traz algo recorrente nos filmes do Universo Marvel: a falta de vilões poderosos e capazes de seduzir o espectador, compensada pela boa atuação e os ideais cativantes do Barão Zemo (Daniel Brühl em boa atuação). A impressão é que tudo é gerado pelo caos e aleatoriedade, mas cinema é narrativa, e mesmo que não seja a grande peça de cultura pop que foram outros filmes, claramente inferiores a este, essas opções elevam Guerra Civil como obra.

Os irmãos Russo lidam bem com o desafio de balancear os protagonismos melhor do que ninguém, conseguindo tornar críveis as opções de roteiro que são puramente funcionais e, com a melhora na direção, as atuações se mostram acima dos diálogos eventualmente verborrágicos de filmes anteriores do Universo Marvel, e com alívios cômicos capazes de contribuir para a dramaturgia vista na tela.

É o dilema filosófico clássico: uma ideia contra uma ação. O quanto um ideal se sustenta frente às questões práticas de um mundo onde tudo que se pode fazer é uma contenção de danos? De certo modo, o dilema é o mesmo mostrado em Batman vs Superman: A Origem da Justiça, ao mostrar heróis afogados pelo niilismo e em busca de sua própria humanidade, podendo refletir um caminho revisionista do super-herói no cinema — tal qual Deadpool, embora numa direção diferente. Em Guerra Civil, porém, o respiro alcançado é dado de maneira mais carismática e redentora que na obra da DC Comics / Warner, alcançando a luz por meio do sacrifício daquele que é capaz de apanhar o dia inteiro por pura fibra moral, por aquele que prevê um mundo melhor aos seus filhos, pela nobreza herdada, ou pela simplicidade da ótica de um menino de 16 anos que passou a vida apanhando e hoje é capaz de fazer a diferença com seus dons. Com destaque para James Rhodes (finalmente bem utilizado), o Pantera Negra (Chadwick Boseman), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e para o excelente Homem-Aranha/Peter Parker, os diversos personagens trazidos aqui são o fio de entusiasmo que faz com que se siga em frente sem perder seu caminho.

Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

 

Comments

4 respostas para “Crítica | Capitão América: Guerra Civil”

  1. Avatar de NACHO NADA V IRMÃO
    NACHO NADA V IRMÃO

    CHUPA DC!

    1. Avatar de Ultra ÔÔÔÔ-PAPAIZISTA
      Ultra ÔÔÔÔ-PAPAIZISTA

      NÃO!

  2. Avatar de Filipe Dos Santos
    Filipe Dos Santos

    Boa crítica

  3. Avatar de Flávio Vieira
    Flávio Vieira

    CHUPA DC! ²

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