Uma das histórias em quadrinhos mais surpreendentes e interessantes que li nos últimos tempos: Três Dedos: Um Escândalo Animado, do autor Rich Koslowski, publicada no Brasil pela Gal Editora. Em Três Dedos a história é ambientada em uma realidade distópica na qual os “animados” (Mickey Mouse, Pernalonga, Patolino etc.) vivem na mesma sociedade que as pessoas, ou seja, eles existem de fato, não se tratam de criações ficcionais e, além disso, vivem no subúrbio dessa sociedade, são párias e excluídos dentro desse complexo e engraçado mundo. Até que Rickey Rat (isso mesmo, trata-se do nome verdadeiro de Mickey) se destaca e consegue sair da periferia e fazer grande sucesso em um mercado que pertencia unicamente às pessoas comuns, vamos dizer assim. E, após isso, ele abriu as portas para outros animados que também passaram a fazer parte do showbiz e tiveram uma valorização que nunca tinham conhecido até então.
Mas a que custo? Esse é justamente o tema da HQ. Já na capa, a figura de Rickey, com um copo de tequila, um charuto na mão e um ambiente de decadência já mostra que a vida desses artistas animados não se tratou de um grande mar de rosas onde tudo deu certo. Aliás, há muitos segredos e muitas histórias mal contadas entre todos esses animados que fizeram sucesso, mas que, no momento em que a história se passa, estão velhos e decadentes. Alguns estão, inclusive, em sanatórios devido a graves danos cerebrais causados por sucessivas pancadas (quem já assistiu minimamente desenhos na vida é capaz de adivinhar quem seria esse). E a grande questão é investigar o que ficou conhecido como “o ritual”, que seria algo como uma ação necessária para os animados fazerem sucesso. Mais do que isso e eu poderia estragar o prazer de ler essa grande HQ.
Em relação à narrativa há alguns elementos bastante interessantes. Em primeiro lugar, toda a história é contada como se fosse a gravação de um documentário. Assim, o narrador poderia ser considerado como o diretor que conduz a investigação e as entrevistas com os animados, os quais poderiam melhor elucidar sobre a questão do ritual. Com isso, o autor vai nos mostrando as “verdadeiras” personalidades de todas as figuras que nos acostumamos a ver com alegria e satisfação na TV. A ideia é mostrar a realidade por trás de personalidades famosas, como se descortinássemos a vida íntima de atores e atrizes que povoam filmes e novelas. Portanto, o autor criou um modelo fácil e bastante atraente para nos contar uma história, e que também difere da maioria das histórias em quadrinhos.
Esta abordagem também faz com que o leitor tenha uma interação bastante interessante com a HQ, uma vez que você se sente como o próprio condutor do documentário e do gibi (para todos aqueles que não gostam dos termos gibi, revistinha ou outras formas que consideram depreciativas, e que por excesso de zelo preferem História em Quadrinhos ou terminologias mais rebuscadas, busquem se preocupar com coisas mais sérias). Quando uma personagem é entrevistada, não existem “balões” de pergunta, apenas a resposta do entrevistado, o que intensifica essa relação com a narrativa e, usando uma expressão da moda, a “quebra da quarta parede” (outro preciosismo dos dias de hoje).
Sobre a arte é interessante notar o formato da HQ, widescreen, ou seja, mais alongado no comprimento do que na altura, contribuindo para a sensação de assistir a um documentário televisivo ou cinematográfico. Toda a arte é feita em preto e branco, o que confere um ar mais pesado e sério que cai muito bem com a proposta do gibi. Traz uma sensação mais sombria, que é fundamental para determinadas passagens da história contada naquelas páginas, já que algumas revelações não são tão alegres e festivas como os desenhos que acompanhávamos na TV.
Sendo assim, fica a indicação de uma HQ que traz um tema bastante diferente e corrobora com a possibilidade de se utilizar o formato de história em quadrinhos para contar os mais variados tipos de histórias e temas. Essa HQ prova que não somente heróis e super seres compõem o universo dos quadrinhos. Enfim, se quiser investir em algo diferente, mas de grande qualidade, não pense duas vezes: corra atrás de Três Dedos: Um Escândalo Animado.
–
Texto de Autoria de Douglas Biagio Puglia.