Não é nada difícil falar sobre Jackie e encontrar os desacreditados na cinebiografia de Jackie Kennedy, uma vez que tendo caído no gosto das premiações, digamos, elitistas (e também ao outrora favoritismo em cima de Natalie Portman para levar seu segundo Oscar), logo deu-se a impressão de que o filme do chileno Pablo Larrain se encaixaria no rol das cinebiografias chapadas de figuras que fizeram história na trajetória dos EUA, ainda mais quando o filme em questão faça de questão de focar, exclusivamente, nos quatro dias de Jackie após o assassinato de seu marido, o presidente John Kennedy.
Muito foi dito de que a contratação de Larrain para a cadeira de direção (tendo substituído ninguém menos que Darren Aronofsky na função) tenha sido pela maior probabilidade do diretor, sendo estrangeiro, trazer uma visão que se beneficiasse da imparcialidade, em claras intenções de aproveitar o caráter político pessoal e intimista que Larrain imprimiu em No, por exemplo. Jackie é sim, um registro pessoal sobre o abalo que tomou conta na vida de Jackie, mas é também um segmento sobre os temas e abordagens que sempre permearam o cinema de Larrain.
Nisso, ao invés de apenas narrar de forma linear os acontecimentos íntimos na Casa Branca após o assassinato do presidente, o roteiro de Noah Oppenheim (de Maze Runner – Correr ou Morrer e A Série Divergente: Convergente) reproduz registros da primeira dama e dramatiza seus dilemas para falar sobre a noção espetaculosa das imagens em uma sociedade que depende da transparência visual para construir seu julgamento. Ao falar sobre a dualidade das imagens, Jackie resgata o ontem para falar sobre o hoje.
E extremamente consciente da posição que assume diante dessa proposta de exploração, Natalie Portman dá rosto e voz a uma Jackie Kennedy articulada, entregue ao luto pelo marido, mas com total conhecimento de sua imagem e posição política diante do contexto. Nesse processo, o filme evolui para um estudo de auto-descoberta através da política, identidade essa que vai contra a maré aos costumes cine-biográficos em levar sua dramaturgia a uma afetação excessiva.
É prazeroso também notar o quanto câmera e atriz trabalham em conjunto: se Portman domina os espaços com seu sotaque carregado, Larrain fecha o rosto de sua protagonista em closes abafados e centralizados, que levam de imediato o público para a claustrofobia e uma sensação de urgência que necessita ser notada, algo igualmente ressaltado pela trilha ameaçadora de Mica Levi, que para quem não lembra, é responsável pela memorável soundtrack de Sob a Pele.
Como um diretor estrangeiro filmando em território americano, Larrain não consegue fugir de alguns cacoetes visuais que insistem em embelezar o discurso mórbido (as cenas de Jackie com o padre que parecem filmadas por Terrence Malick), mas Jackie se sobrepõe, e muito, quando decide fugir com afinco das grandes convencionalidades dramatúrgicas impostas por uma história como a de Jackie Kennedy. Ponto à favor.
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Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.