A quesito de comparação, e isto num nível bastante pessoal, assistir a primeira temporada de Santa Clarita Diet, mais recente série original da Netflix, foi como reviver as reações que tive com As Panteras: Detonando, filme também estrelado por Drew Barrymore: há um descompromisso tão fiel com a ausência de “realismo” (ou se preferir, sem as aspas mesmo) e um apego tão carinhoso ao absurdo de nível cavalar, que já não seria surpresa encontrar quem condenasse a série justamente por buscar como identidade esses exageros.
Mais do que estar ali apenas para acentuar o nível da brincadeira, e no fundo não passa disso, o absurdo desmedido de Santa Clarita Diet está ali a serviço de um recorte satírico do American Way of Life e do próprio gênero tão banalizado que se tornaram as histórias de zumbis. É como se os irmãos Farrelly encontrassem O Albergue, de Eli Roth, em tempos da andança em círculos de The Walking Dead, Santa Clarita Diet chega como um refresco bem-vindo.
E na vontade de escrachar o que a abordagem oferecer pelo caminho, o próprio ponto de partida do seriado já brinca com a banalidade: Sheila (Barrymore) é uma corretora de imóveis da cidade Santa Clarita, que vive com seu marido Joel (Timothy Oliphant) e a filha Abby (Liv Hewson). Em uma de suas visitas a imóveis com clientes, Sheila simplesmente despeja litros de vômito verde e… morre. Mas ressuscita. E se torna uma espécie de morta-viva, que nesse retorno do mundo dos mortos, passa a ter a necessidade de unicamente se alimentar com carne humana! Agora a família precisa descobrir como se adaptar às necessidades de Sheila, ao tempo em que precisam lidar com a inconveniência de um certo vizinho.
Criada por Victor Fresco, o mesmo de Better Off Ted, Santa Clarita Diet busca ser, antes de uma comédia sanguinolenta e irreverente, uma brincadeira sensível sobre até onde uma família é capaz de ir para permanecer unida. Porque sim, é notável a preocupação do roteiro, ao longo de seus 10 episódios, em nos fazer criar um mínimo de empatia com Sheila e Joel (e nisso, o carisma e a química entre Barrymore e Olyphant é indispensável), e a partir desse entrosamento, extrair seu humor da quebra do cotidiano familiar através da súbita presença do gore.
Aliás, o próprio exagero do gore é o que parece ter afastado alguns espectadores de apreciar o espetáculo de humor da série. Sheila aparece comendo pés, braços, bate vários dedos dentro de um liquidificador para fazer uma vitamina, devora troncos inteiros… Enquanto que para uns este exagero proposital (pois sim, não há como não ser) revira o estômago e lhes serve como motivo para recusar o humor, para outros a série pode ser uma comédia de humor negro das mais divertidas, insanas e abusadas, e tudo isso regado por uma vibe de leveza e ingenuidade que seguram com firmeza o seriado no terreno das produções inofensivas, mesmo com algumas polêmicas envolvendo até o próprio marketing da série.
E com seus míseros 30 minutos por episódio, ela sabe como se auxiliar dessa metragem para ir se revelando de forma empolgante, ser inteligente dentro do que lhe cabe ser e usar e abusar da dinâmica entre Barrymore e Olyphant, visivelmente envolvidos na brincadeira e divertindo-se em cena e, consequentemente, gerando risadas genuínas no público sem muito esforço. Há apenas uma queda ligeira lá pelos episódios finais, quando o roteiro fecha algumas pontas de forma abrupta e que pareciam prometer mais do que ofereceram, além de um desfecho que serve mais como anti-clímax do que uma forma de nos manter curiosos pelo que virá na próxima temporada.
Se compreendida pela forma com que lhe é cabível, Santa Clarita Diet pode ser uma diversão descompromissada das mais competentes, bem-humoradas, e considerando as limitações, até mesmo subversiva. É ponto para a Netflix.
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Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.
https://www.youtube.com/watch?v=qobxBv9x3Qk