Inúmeros fatores atemporais tornam uma grande obra, na melhor obra da carreira de um grande e marcante artista. No caso de Oscar Niemeyer, por exemplo, o sinônimo de arquitetura moderna do Brasil e laureado, em 1988, por um Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura, a construção dos edifícios governamentais de Brasília ainda são consideradas sua obra máxima, devido à importância para com o contexto político brasileiro; já no caso de Leonardo da Vinci, os mistérios envolvendo absolutamente tudo em torno da sua Monalisa a consagram como a magnum opus inigualável do pintor, façanha intocável feito as sinfonias de Ludwig van Beethoven, os livros de Machado de Assis, as peças de William Shakespeare, e assim por diante.
Contudo, adentrando finalmente nos assuntos que nos interessam, e na sétima-arte que os abriga e os ilumina ao longo das décadas que vieram, e dos séculos por vir, poucos(as) cineastas podem se dar ao luxo de terem um currículo invejável a ponto de ser um desafio crítico a escolha de seu principal triunfo. Vejamos alguns, saltando na memória: Charles Chaplin, Kenji Mizoguchi, John Ford, Stanley Kubrick, Jean Renoir, Alfred Hitchcock… e nosso amigo, Sergio Leone.
Muito se discute de qual seria sua pérola suprema, e para qual são discutidos (eternamente) os mesmos fatores de sempre: Estilo, história, sofisticação, etc. Na verdade, cinéfilos se dividem entre três exemplares do seu mais do que rico portfólio: Era Uma Vez no Oeste, Era Uma Vez na América e Três Homens em Conflito. Seria então este último, por ser o mais famoso dos três, o pináculo da visão Leônica de Cinema, já que apresenta bem mais reconhecimento popular do que os outros, já citados?
Há de se admitir aqui o início do projeto de mistificação moderna do faroeste, a partir de agora completamente livre das regras do passado. Um projeto ambicioso e extremamente presente na última história de Clint Eastwood como o homem sem nome. Depois de Três Homens em Conflito e Era Uma Vez no Oeste, a cartilha formal e quadrada de John Ford e Howard Hawks seria seguida apenas pelos cineastas mais tradicionais, que não se deixavam seduzir pelas experimentações cada vez mais bem-sucedidas de Leone, Sergio Corbucci e companhia Após a trilogia dos dólares, novas e divertidas possibilidades estilísticas surgiram junto e oriundas desse marco triplo do bang-bang, e, novamente, muito além do gênero que emula como pouquíssimos filmes se atreveram a conseguir.
No comando de um tour de force inesquecível (e atrevido), nas três horas de uma projeção incansável, Leone não teria mais nada a provar depois de 1966 – senão sua falta de ousadia em projetos futuros. Afinal, é inconcebível drenar do histórico cinemático de cada um de nós as lembranças de cenas como o mítico duelo entre os três principais pistoleiros em um cemitério (o bom, o mal e o feio), tudo por causa dos malditos dólares de sempre, é óbvio (honra e paraíso são conceitos tardios demais para aquelas almas do deserto que parecem ter sido extraídas dali mesmo, sujas e cansadas de viver, mas ainda inimigas da morte; arquétipos desenterrados pela câmera e a montagem soberba do seu criador).
Fato é que há pouco a se falar sobre este filme que ainda não foi elucubrado, justamente por ser uma das grandes referências de Cinema com C maiúsculo para muita gente. Mas há sempre algo de novo para descobrir ao assisti-lo – e se o “novo” for difícil de teorizar, de colocar em palavras ou até mesmo de se refletir sobre, é essa novidade percebida que não poderia ser mais nobre e ambicionada por parte de nós, meros espectadores. É logo abaixo do encanto dessa síndrome de Deus que todo cineasta carrega, logo abaixo também dessa apoteose de elementos próprios tão irônicos e apaixonantes, que o mundo de Leone se espalha sem medo no tempo e nos nossos corações, não podendo ser mais preciso nos seus efeitos sobre tudo aquilo que convém as intenções de um artista tão completo, quanto Leone nos é, hoje e sempre.
Dono das suas histórias, da sua assinatura, independente até o fim, e fiel à sua realidade aonde, através das aventuras de suas personagens deliciosamente amorais, banhadas pelas trilhas de Ennio Morricone e um sol desértico tão acachapante quanto, talvez seja na exploração dela em Três Homens em Conflito que se explica, no caso de Leone, o que faz este filme ser, talvez, sua chegada tão sonhada ao Eldorado: O poder da direção no Cinema, tão explícito e forte como se manifesta aqui. Em cada frame, em cada uma das sequências clássicas.
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