O quão nobre seria a arte, a artilharia de valores reunidos em uma única publicação, de tornar compreensível para “pessoas comuns” todo o conceito universal da Filosofia? Muito, não é verdade? Contudo, se o(a) leitor(a) já estiver com a resposta pronta entre suas certezas, já está traindo, sem ao menos perceber isso, todo o processo de pensamento não-imediatista que todos os nossos “heróis”, estivessem eles em busca da verdade ou das liberdades propriamente ditas de cada um, tanto defenderam e tentaram disseminar ao longo do tempo – alguns, inclusive, de forma não tão gloriosa ou eticamente admiráveis, assim.
Podemos, portanto, entre tantas outras coisas, afirmar de antemão que fazer a filosofia e seus representantes típicos terem um grande apelo popular, através da diversão que emana dos quadrinhos, é algo realmente nobre por si só. Afinal, não é todo dia, no tempo ultra corrido do século XXI, que nos sentimos animados de verdade para lidar, com livre e espontânea vontade, com ensinamentos filosóficos (e suas reflexões) em meio as múltiplas tarefas que esses idos contemporâneos nos impõe, categoricamente. Ainda assim, caso a resposta para aquela ou qualquer outra pergunta fosse feita às pressas, como nos ensinou o tempo atual e o senso comum, seria preciso voltar e tentar entender o motivo que levou essa primeira parte de Filósofos em Ação ser tão brilhantemente bem escrita por Fred Van Lente, e graficamente posta em vida com uma vibração invejável por Ryan Dunlavey.
Ao calcular a viabilidade de uma história em quadrinhos que condensa toda a moral filosófica de Platão (tido aqui como um lutador mesmo, metáfora para sua incansável luta pela verdade, cujo preço foi alto e cruel), Sigmund Freud (o grande pesquisador da sexualidade humana, e sua rixa histórica com seu próprio discípulo, Carl Jung) e vários outros, aqui tidos como símbolos centrais de suas próprias teorias e atividades que, de uma forma ou de outra, tanto influenciaram as sociedades que se originaram após seus estudos, é de se notar o esforço de Van Lente para resumir, em dez páginas cada, a história de vida e as forças ideológicas que, rumo a iluminação e a imortalidade histórica, moveram esses homens e a única mulher entre eles, a russa Ayn Rand, a mais objetiva de todos – até ser traída por seu companheiro, momento esse que resulta num dos pontos chave do livro desenhado: o uso de um bom humor impagável.
Este é expresso tanto nos diálogos, quanto nos traços de Dunlavey. Sempre expirado, tal o coleguinha escritor, formando uma unidade visual deliciosa ao longo de quase cem páginas divertidíssimas, que levam qualquer um a entender e querer praticar o ato da reflexão – nem que seja só por um instante, o cara faz o uso da cor além dos tons monocromáticos que emprega ser tão necessário, em Filósofos em Ação, quanto mais páginas além das dez já mencionadas aos seus protagonistas. Com total irreverência e credibilidade, conhecemos as mentes filosóficas revolucionárias e traduzidas aqui através de uma centena de situações fantásticas, mas que nunca se distanciam da realidade – a forma irônica como é ilustrada a relação do iluminista Thomas Jefferson com os negros (o homem que redigiu a declaração de independência dos E.U.A. com a Inglaterra abominava a escravidão, mas se viesse a abolir seus escravos, iria à ruína financeira), fica sendo nada menos que genial, ainda que dolorosamente justa. A história dos fatos nunca perdoa.
Seja como for, e deixando claro que todo fato é linguagem, e portanto, mera opinião, segundo os ensinamentos de Bodhidharma, o homem que trilhou a China e seus templos para mostrar como a verdade é relativa a consciência de cada ser pensante, é de se surpreender como Filósofos em Ação não diminui nem simplifica, ou desmistifica a aura lendária dessas personas já mortas, mas cuja semente de suas ideias e ideais seguem mais vivas do que nunca. A publicação da editora Gal, perfeitamente traduzida ao português, toma o cuidado de provar isso página por página, redigidas com um esmero impressionante, evidenciando todo o processo artístico de Van Lente e Dunlavey, e promovendo na graça e na inteligência que tem em comum todas as histórias envolvendo Nietzsche, Platão e Santo Agostinho, a importância, o fascínio e a diversão que existem em todo e qualquer tipo de questionamento humano.
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