Para compreender o que Anon é, é primeiro preciso compreender quem é Andrew Niccol, seu realizador. Roteirista e diretor de filmes como, O Show De Truman (Roteirista e produtor), Gattaca (Roteirista e diretor), O Terminal (roteirista), e Senhor das Armas (Roteirista e Diretor), Niccol demonstra, primeiro, seu tino para contar histórias envolventes e reflexivas sobre o futuro da humanidade e das pessoas, e segundo, sua preocupação constante com a vigilância e os rumos da tecnologia ao tomar conta de nossas vidas como uma entidade onipresente e onisciente.
Em Gattaca sua preocupação era a engenharia genética e nossa autoimagem como senhores da natureza. Em O Show de Truman, sua preocupação foi nosso crescente interesse em ver a vida através de uma tela, profeticamente (O filme é de 1998, quando mal havia internet) antecipando as relações intermediadas através de likes e views que se percebe hoje com facilidade em qualquer rede social. Em Senhor das Armas, vemos suas preocupações com as relações comerciais e as redes de criminalidade a partir do tráfico de armas. Em O Terminal, seu roteiro fala de forma interessante e divertida sobre as pessoas e as conexões (De aviões e entre as pessoas).
O resumo é que Andrew Niccol sabe ser inteligente, e não apenas soar como inteligente, e sabe contar uma boa história, demonstrando particular interesse na humanidade como uma rede interligada e intermediada pela tecnologia, mas onde a real substância dessas relações se encontra na transposição de nosso egoísmo e no compartilhamento da nossas características mais mundanas. Mas em algum momento de sua carreira, o interesse virou cacoete, e já se podia observar isso no esquisito S1m0ne (Com Al Pacino), mas que ficou evidente nos terríveis O Preço do Amanhã e A Hospedeira, quando demonstrou muito menos brilho e sagacidade do que o habitual, falando dos mesmos assuntos que o consagraram, mas agora de maneira rasa e banal. Anon (Netflix) não chega a ser ruim, mas é um filme pálido e incomodamente desinteressado em si mesmo.
Na trama, Sal (Clive Owen) é um detetive em um mundo onde o governo tem acesso à tudo aquilo que já vivemos e sentimos, e ao ver alguém na rua, sabemos exatamente seu nome, idade e informações pessoais. Conversas são traduzidas instantaneamente entre pessoas e boa parte das relações são intermediadas de modo online ,bem como as conversas. Crimes ainda são realizados, mas com acesso à tudo aquilo que já passou pelos nossos olhos, são todos solucionados em cerca de minutos. É possível acessar a visão de qualquer pessoa e fazer download de diversas informações, e mesmo assim, por algum motivo, as pessoas ainda se mostram surpresas ao serem rapidamente descobertas. Eis que em algum momento surge uma fantasma no sistema. Uma pessoa não identificada começa uma onda de assassinatos não identificados, e o hackeamento da rede e de seus usuários coloca em xeque toda a estrutura social deste mundo. A partir disto, toda a polícia se debruça sobre encontrar a principal suspeita: uma mulher não identificada que o personagem de Owen viu sem querer logo na primeira cena do filme.
O maior incômodo, talvez, seja a forma apática com que o filme é dirigido e interpretado, bem como a forma com que o roteiro tenta desenlaçar seus nós. Lá pelo terceiro ato, a impressão que se tem é que o roteiro simplesmente se desencantou da história que havia começado a contar, e jogou uma série de resoluções que se dão de forma incompleta e apressada, inserindo personagens cruciais para o desenvolvimento do enredo de modo tão displicente e coadjuvante que no momento dos plot twists, que seriam essenciais para o arrebatamento que toda ficção científica se propõem, as revelações perdem a força por ser difícil de identificar quem é aquele personagem tão importante tratado de forma tão desimportante. O que se identifica é que Anon considera seu argumento tão importante que todo o resto se tornou desimportante, mas se tal postura não se sustenta nem com grandes ideias, ela desaba quando o assunto já foi tantas vezes melhor escrito e gravado há 20 anos atrás.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.