Iniciado a partir de uma estética blockbuster, com ideias interessantes que até começam bem pelo carisma inicial das primeiras aparições de Paulinho Serra (em uma caricatura sensacional de muitos membros da patuléia), Babu Santana e Lázaro Ramos. Já no preâmbulo, nota-se que a violência seria a tônica do longa-metragem, mas o espectador é levado a um engano, visto que a aura é muito mais da comédia do que de ação.
Marcos Jorge teve ótimos momentos em sua carreira de realizador, especialmente em Estômago, sua obra mais lembrada e merecidamente elogiada. O roteiro começa demonstrando uma violência gráfica que cada vez mais toma de assalto o cenário de filmes de ação brasileiros, com uma agressividade puramente gráfica, pop até o extremo. O recheio do texto envolve gírias, palavrões, maloqueiragem e paixão por cães e futebol, ingredientes suficientes para adocicar o paladar do público, ainda que todo o espectro seja um despiste.
O potencial para ser um filme redondo existia, pois o texto começa interessante, determinando dois universos distintos, um capitaneado pelo bandido Nenê (Lázaro Ramos), que usa seus amados cães para executar seus serviços de extorsão, e o funcionário da carrocinha (e pai da família) Antônio Santana (Babu Santana), que vive humildemente em seus domínios do gueto, frequentando uma igreja evangélica junto a todos os membros de seu clã. O embate entre ambos acontece após o sacrifício do cachorro Nero, um rottweiler encontrado em uma escola, e que encontra óbito após a demora de seu dono em buscá-lo.
A perseguição ocorrida após estes eventos é crível, especialmente por envolver uma briga de egos desnecessária e carregada de testosterona e infantilidade, da parte dos dois homens. Os problemas começam pouco antes da metade do filme, quando a briga se alastra e envolve as crianças, que em princípio, não comprometem a trama, alvo que evidentemente muda. A personagem de Thainá Duarte fundamentalmente reúne de forma resumida todos os problemas da produção, com cenas não críveis, incoerências dramatúrgicas e incongruências que acachapam qualquer possibilidade de acreditar nos ares de comédia para onde o filme foi levado.
Todos os arquétipos que poderiam ser graves, profundos e complicados são diluídos pelas péssimas coincidências do texto, que prima pelo óbvio. Apesar de uma boa dedicação de Adriana Esteves ao papel que executa, fato raro aliás dentro do filme, é uma lástima por si só, já que havia potencial tanto pelo talento de Ramos, Serra, Santana e companhia, bem como pelas ideias do argumento. A inversão de banditismo e a denúncia ao descaso das autoridades se perdem, fazendo perder força até as reviravoltas frequentes do filme.
Mundo Cão talvez agrade ao grande público, especialmente o espectador mais desatento, mas resultar uma cena de um estádio de futebol com meia dúzia de pessoas reais, preenchendo a lotação com bonecos digitais, é demasiado agressivo para qualquer aficionado por futebol, mesmo para os que sabem a diferença entre um bom produto e um que se vale de gráficos dos piores jogos de videogame de 32 bits.