Após realizar roteiros de filmes clássicos, como Uma Rajada de Balas e Chinatown, Robert Towne ganhou notoriedade e passou a dirigir filmes sem o mesmo sucesso que tinha como escritor, evidentemente. Após uma parceria com Tom Cruise em três obras — A Firma, Missão: Impossível e Missão: Impossível 2 —, o ator o ajudou como produtor executivo do longa metragem, capitaneado por Towne e baseado no laureado romance Pergunte ao Pó, de John Fante.
A direção de arte e a fotografia fazem da película uma fita demasiadamente leve, muito diferente do clima arenoso e enevoado do texto original. A iluminação chapada não ajuda a captar as variações das ações individualistas de Arturo Bandini, que pioram de situação graças à atuação de seus intérpretes. No auge da canastrice, Colin Farrel faz o escritor/narrador da história, e desde o início parece um pastiche, um deboche do alterego de Fante. Nem mesmo as suas interações com o seu oikos são interessantes, uma vez que são todas mecânicas.
Camilla Lopez é feita pela voluptuosa Salma Hayek, que seria uma boa escolha para o papel se não atraísse os olhos dos homens ávidos de modo tão óbvio e latente. A beleza que era anunciada no livro como exótica, em tela é exuberante e nada sutil, o que claramente fere a essência da personagem. Tal conjectura não seria um grave problema de adaptação caso o entorno da personagem compensasse, especialmente pelo ambiente meio depressivo, mas isto não ocorre. Nem a nudez da atriz é valorizada de maneira plena, uma vez que ela é feita em meio à neblina. Um desperdício lastimável.
Não há muito espaço para nuances ou foco necessário para explicitar a degradação do ethos do escritor vaidoso. O roteiro e as ações prescritas nele foram mal trabalhadas e executadas de modo sistemático e rotineiro, parecendo algo genérico, tão vazio e sem substância quantos os piores produtos para os cinemas dos anos 50.
A duração de sua exibição é deveras prolongada, as tomadas se repetem uma a uma, e a sensação de quem vê o filme é de que há absoluta redundância nos dramas tratados em tela. Ao menos as divagações de Bandini, ao felicitar a si mesmo por seus feitos, chega perto do pedantismo típico do personagem, sendo este o ponto mais próximo do espírito da obra original. Farrell é um ator limitado, de trabalhos irregulares, que até consegue impor alguns poucos arquétipos em seu trabalho de atuação, mas tem dificuldades sérias em representar pessoas com interesses conflitantes, quanto mais um sujeito que tem claras dificuldades em manter a psiquê saudável, caso de Arturo Bandini. A inabilidade de Towne em conduzir a película também não coopera para que o ator mostre-se à vontade no papel.
Os últimos 40 minutos contém uma virada de cunho açucarado na história, com Bandini finalmente tomando coragem e levando sua amada para morar com ele. No entanto, ao invés de dar vazão aos conflitos presentes em seu espírito arredio, ele pratica ações melodramáticas, como em uma autêntica comédia romântica, onde o “felizes para sempre” predomina, ainda que de modo efêmero, mostrando que a eternidade da máxima não é real. As falhas de Arturo — que eram um dos pontos bons da história — são deixadas de lado para mostrar um romance insípido e de tom sentimental, nada condizente com o resto da história.
A ideia de Towne de impor uma tentativa de alívio na existência sofrida de Camilla e Bandini seria interessante se o roteiro desse continuidade a ela, mas isto não ocorre. A tentativa de redenção do protagonista é falha e tão tosca que em certos momentos ela parece ter sido realizada por outra pessoa. Até a narração é interrompida de modo esquizofrênico: a história é contada sem ela durante grande parte da fita, para, enfim, voltar próximo do anúncio dos créditos.
O filme não funciona, não sabe escolher um lado, também não é uma adaptação boa e tampouco atinge o objetivo de ser um romance água com açúcar; pelo contrário, é penoso e pesaroso de assistir a ele, mesmo para as duas parcelas do público que tenta alcançar. A separação do casal acontece de modo diferente do original, menos simbólico e mais literal, quase que explicando para o incauto espectador o que ele precisa entender: que as almas aflitas dos dois amantes não podem ficar juntas graças ao destino.
Mais uma vez Towne cai no erro de mudar o foco de um modo que não combina com a proposta que ele mesmo impôs, uma vez que o cerne de Bandini parece completamente modificado, não só em relação à essência do romance, como também à lógica proposta no roteiro. John Fante merecia melhor sorte na adaptação de sua obra, algo minimamente condizente com a qualidade de seu texto, mas este Pergunte Ao Pó não apresenta aspectos necessários para tanto, sendo fraco e vazio em todos os pontos que procura abordar.