Em X-Men: Deus Ama O Homem Mata, Chris Claremont e Brent Anderson falavam sobre a intolerância dos humanos contra os mutantes, situação que já era presente nas histórias pregressas dos X-Men e se acentuou nesta, usando como exemplo de nêmese o fanatismo religioso de um reverendo que pregava que os portadores do gene X eram amaldiçoados. Talvez essa seja a referência recente mais justa ao plot Planeta dos Macacos: A Guerra, de Matt Reeves, terceiro e possivelmente último capítulo da nova saga iniciada em Planeta dos Macacos: A Origem.
Antes do desenvolvimento do roteiro no novo longa temos uma introdução sobre os capítulos anteriores, explicando que o vírus que havia dizimado a população humana anteriormente em Planeta dos Macacos: O Confronto, se modificou, com consequências que só são reveladas após um bom tempo decorrido de filme. Cesar (Andy Serkis) continua cuidando dos seus, e busca um lugar alternativo para repousar com a sua família, uma vez que um novo inimigo surge, o Coronel (Woody Harrelson), um homem autoritário que possui métodos questionáveis aos olhos de outros homens, inclusive, montando ao redor de si um muro alto para defender-se de seus inimigos.
Os filmes de Reeves e Ruppert Wyatt não se preocupavam em serem fiéis a série original, mas sempre reverenciavam os filmes quando assim julgavam necessário. É neste terceiro capítulo que se recontam grande parte dos eventos de A Conquista do Planeta dos Macacos e A Batalha dos Planeta dos Macacos, claro, trazendo os assuntos de divisão de castas e de exploração da mão de obra símia para um contexto mais moderno e verossímil, como já vinha ocorrendo nos episódios anteriores. A surpresa é que a maior parte das referências propostas aqui vão além do simples easter eggs típicos das refilmagens famosas. Cada acréscimo e citação tem alguma importância e valores realmente significativos, não sendo apenas fan service.
Uma das diferenças básicas entre essas versões e a iniciada em Planeta dos Macacos , de 1968, é a escolha por discutir questões de cunho social e guerra de classes. Outro fator que já era referenciado antes e que se agrava nesses é o completo distanciamento dos homens daquilo que chamamos de humanidade. O homem é mostrado como um sujeito sem escrúpulos, desesperado pela própria sobrevivência e capaz de cercear a vida até de seus entes queridos, caso necessário. O coronel vivido por Harrelson soa caricato em grande parte dos momentos, mas sua postura também dialoga com outros tantos comportamentos de líderes de nossa história.
Toda a complexidade de personagens é jogada em um quarteto de símios, sendo eles Cesar, o orangotango Maurice (Karin Konoval) que serve de conselheiro do líder símio, Rocket (Terry Notary) que é o braço armado dos macacos, e o novo elemento, Bad Ape (Steve Zhan), que, além de ser um dos personagem mais carismáticos, ainda carrega em si uma importância sui generis no roteiro, sendo portanto a prova cabal de uma teoria que corria desde o primeiro filme. Neste momento, se levanta a possibilidade de que os experimentos iniciados por Will Rodman (James Franco) terem apenas acelerado o processo natural e a nova configuração da cadeia alimentar que colocaria os símios acima dos homens, e essa nova possibilidade de configuração é mais uma das muitas semelhanças entre a série e o ideário dos X-Men.
Os macacos não são mostrados somente como seres complexos, mas há também profundidade maior em seus desejos e anseios, não restando mais a necessidade de viverem em paz sem serem importunados pelos homens que lhe fizeram mal, mas também uma necessidade de formar uma sociedade auto-sustentável. Os eventos desencadeados a partir do confronto com o Coronel põe em cheque os sentimentos de Cesar, que se deixa levar por desejos vis e egoístas, fazendo-o enxergar inclusive algumas semelhanças suas com Koba, o macaco extremista dos filmes anteriores. Tal argumento favorece o texto de Mark Bomback e Reeve, e o torna mais adulto, mostrando mais uma vez o óbvio, que é possível sim criar um blockbuster com substância.
As referências aos filmes Apocalipse Now e Nascido Para Matar são muitas. A crueza com que Reeves conduz a maior parte das cenas dramáticas rivaliza em gravidade com as cenas de mortes de povos oprimidos. A beatificação de Cesar relembra muito a trajetória de Moisés à frente do povo israelita, mas sua jornada não é tão retilínea quanto a prevista no livro bíblico do Êxodo, ao contrário, é repleta de tropeços, arrependimentos e de perdas irreparáveis em sua existência. Planeta dos Macacos: A Guerra fecha bem a trilogia, e de certa forma, encaminha a existência na Terra para a famigerada cena da Estátua da Liberdade na praia, revelando o quão trágica e auto destrutiva é a existência do homem.
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