Rafael (Rickson Tevez) treme com um revólver na mão, uma ânsia de fazer ou não justiça com as próprias mãos. O drama certamente seria melhor aceito caso não predominasse na retórica de Trash: A Esperança Vem do Lixo uma abordagem artificial, em uma das menos inspiradas fitas de Stephen Daldry. O tema da violência urbana, com uma perseguição de policiais a pessoas de classes menos favorecidas e secularmente marginalizadas surge com dois dos atores brasileiros com mais sucessos comercias no currículo.
Wagner Moura vive José Angelo, um morador do subúrbio, perseguido por ter informações importantes sobre um poderoso político. Ao se livrar de sua carteira, ele condena o menino Rafael, que acha a bolsa com dinheiro e outros objetos misteriosos. O lado repreensivo do filme começa por apresentar arquétipos muito estereotipados dos moradores da favela, que embalam seu trabalho no lixão ao som do sugestivo Rap da Felicidade, cujo conteúdo é ofensivamente óbvio. A situação piora com as crianças da comunidade nadando em um rio imundo, repleto do mesmo lixo que os moradores de lá coletam, como se entre os meninos e homens não houvesse qualquer noção de saúde ou civilização. A postura de um dos garotos é de completa subserviência com a polícia, fundamentado em cima de um vocábulo pobre, baseado em gírias que mais taxam pejorativamente os jovens do que os faz parecer reais e com voz ativa.
A sucessão de preconceitos segue, apresentando personagens sem profundidade, pessoas que moram no subterrâneo de uma estação de trem (Central do Brasil), semelhantes aos Morlocks das revistas mutantes da Marvel, mas com a pretensão de mostrar uma história real, mas que evita a todo custo o uso de palavrões, já que seria esta uma história para toda a família. Demonstrar mazelas sociais e delinquência juvenil com uma abordagem conservadora só piora o escopo do filme, que simplifica todas as relações com soluções muito fáceis.
O Brasil para exportação exibe a civilização dentro da comunidade para os estrangeiros, vividos por Rooney Mara (Olivia) e Martin Sheen (Padre Julliard), que são os únicos dentro do complexo com acesso a internet, o que não impede os meninos de acessarem o Google como se fossem especialistas nisto, mesmo não tendo acesso a internet em casa. A verossimilhança não parece ser a pauta principal do filme, já que não há a mínima preparação de background dos personagens, ou uma maior preocupação com os cenários envolvidos. A concepção de República das bananas é a base para a maioria das ações dentro do cenário do país.
Uma vez que o entorno é mal construído, nem os atos ultra violentos de tortura conseguem retornar a fita a uma séria abordagem. As injustiças sociais mostradas no país são tão pueris como eram em Velozes e Furiosos 5, tendo em comum com o filme de assalto até a ingerência de estadunidenses como os portadores máximos da justiça, arautos de uma civilização que a subdesenvolvida nação jamais conseguiria alcançar sozinha.
A ótica das crianças talvez seja a maior desculpa para as incongruências, falhas de concepção e falta de lógica, mas até isto esbarra na tacanha narrativa, que é cortada pelas falas dos meninos, que quebram a quarta parede e ajudam a revelar ainda mais os problemas da história. Para alcançar o vilão e deputado Santo (Stepan Nercessian), os meninos agem como miquinhos amestrados, que invadem casas e passeiam pelos esgotos da cidade; na cadeia, mais parecidas com as dos filmes americanos do que com a realidade dos presídios de Bangu. Tudo isso para exibir uma mensagem emocional, de cunho redentor, de luta pelo povo, ainda que retratar bem a população mazelada não fosse a prioridade de Daldry.
A tentativa de explicar tudo por meio de um documentário filmado por Olivia é o tiro de misericórdia nas motivações e intenções do filme em se levar a sério, já que convenientemente consegue registrar não só as palavras dos meninos, mas também um dos muitos pecados de Frederico (Selton Mello), um policial que faz da justiça a justificativa para qualquer miséria que pense em impingir aos personagens. Nem mesmo ante a destruição de seu mísero patrimônio os jovens conseguem se emocionar de um modo que pareça real. A triste realidade brasileira que tencionava ser finalmente exposta é risível ante toda a fantasia presente no guião de Richard Curtis.
O costume de habitar a sujeira é comum aos personagens infanto-juvenis, uma máxima tão torta quanto a ideia genial de que o dinheiro puro e simples resolveria os problemas sociais de um país tão atrasado que permite os mandos e desmandos de estrangeiros em sua própria terra. O modo estúpido como a renda é redistribuída só é superada em tosquice pela ingênua noção de que basta a boa vontade para vencer o mal da corrupção instaurada no país. Trash revela muito de como a opinião pública internacional vê o brasileiro, de maneira xenófoba, evidenciando o quanto subestimam a inteligência do cidadão médio, se valendo de uma trama fraca sobre uma realidade que não pode ser modificada, tampouco reavivando as manifestações de Junho de 2013 através deste viés tão simplista, e pueril.
I am so sorry but it is a wonderful movie