Todo grande livro trata, em maior ou menor escala, daquilo que se convém chamar de moral – o que define o aceitável e o condenável na ação humana, distinguindo o bem e o mal, a virtude e o vício. E quando o conflito moral transcende o universo ficcional no qual atuam seus personagens – fazendo com que o leitor, pautado em seu próprio conjunto de valores, se pergunte se reproduziria aquelas ações ou se agiria diferente caso se encontre em situações análogas às descritas ao longo das páginas -, a excelência de um texto se confirma. É o que tenta fazer M. L. Stedman em A Luz entre Oceanos, no qual apresenta um casal de pessoas essencialmente boas tendo que tomar e lidar com as consequências de decisões moralmente ambíguas. Mas, infelizmente, o romance de estreia do autor australiano está longe de ser um grande livro.
A trama se desenrola na isolada ilha de Janus Rock, para a qual Tom Sherbourne, o distante protagonista da histórica, partiu em uma espécie de exílio autoimposto ao qual se submete para fugir dos fantasmas da recém-findada Primeira Guerra Mundial. Trabalhando como faroleiro, ele conhece Isabel Graysmark, que representa sua antítese: jovial, alegre e otimista. Desnecessário dizer que ambos se apaixonam. Porém, essas figuras com personalidades e experiências tão diferentes compartilham do mesmo desespero perante a incapacidade de ter filhos; desespero que os leva ao extremo de, após um acidente, tomar para criar o bebê trazido por um navegante morto que chegara às imediações, sem, contudo, informar o fato às autoridades.
A atitude desses heróis – que, vale repetir, nos são apresentados como pessoas de boa índole, para as quais somos levados a torcer – é certamente errada, até mesmo criminosa. No entanto, o autor tenta fugir do julgamento meramente legal, preto e branco, e narra a situação em seus infinitos tons de cinza, construindo um jogo em que justiça e tragédia se chocam, sem que haja respostas fáceis à disposição. Ainda que passando por trechos demasiadamente dramáticos e que beiram o melodrama, A Luz entre Oceanos é caracterizado por um tom agridoce, nada pessimista, mas também não muito otimista, que consegue prender até mesmo um leitor não muito afeito a romances – categoria na qual me enquadro – em suas 363 páginas.
No entanto, ainda que tenha méritos temáticos, o livro deixa muito a desejar no tocante ao estilo. Janus Rock, por exemplo, jamais passa a sensação de ilha afastada do restante do mundo, pois diálogos entrecortam praticamente todas as cenas da história, sendo raros os momentos descritivos que poderiam nos dar a impressão requerida de isolamento. A natureza dos capítulos, sempre muito curtos (são 37 ao todo, resultando numa média de menos de 10 páginas para cada um) e fragmentados em pequenas sequências, também não nos permite absorver todo o impacto de algumas situações que logo se dilui no avançar dos acontecimentos subsequentes.
Quanto ao principal conflito do livro, o dilema entre a ação emocional e a ação “correta”, a meu ver, seria mais eficaz se Stedman não tomasse abertamente o partido de seus protagonistas, conferindo um aspecto mais profundo a essa obra que, vez por outra, soa clichê e pouco original. A Luz entre Oceanos é, enfim, um texto ágil e, considerando que se trata do primeiro livro de um autor, competente. É, de certo, uma leitura recomendada para os apreciadores do gênero. Mas, no final das contas, não passa disso – é somente mais um livro do gênero.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.