A narrativa policial brasileira sempre foi tímida se comparada a outros gêneros. Se analisarmos o topo da pirâmide literária, a partir dos canônicos, observaremos que certos autores flertaram com o estilo, sem a consagração de obras inseridas no gênero por completo. Ainda que o Brasil conte com uma diversificada produção em vertentes distintas, há ainda uma pequena parcela de autores que escreve literatura policial e, simultaneamente, se consagra como um bom literato.
Lançado pela editora Oito e Meio em maio do ano passado, Investigação Olímpica é o terceiro livro de Fernando Perdigão, o segundo romance focado no Detetive Andrade, um bom personagem criado no romance anterior, A Pedido do Embaixador, com grande potencial para estar na pequena (e boa) galeria de detetives made in Brazil.
A trama se constrói a partir do fato real dos Jogos Olímpicos realizados no país em Agosto de 2016. A narrativa destaca em maior potência a personagem e suas ações do que a trama envolvendo possíveis enigmas, demonstrando que, neste caso, o como se narra é maior do que a descrição e posterior resolução de um crime em si. Sob este aspecto, Andrade é um personagem excepcional. Distante de qualquer espelhamento com grandes detetives internacionais, trata-se de um personagem rude, vacilante entre uma inteligência mordaz e um cinismo irônico, politicamente incorreto. No físico, reflete a construção de um esteriótipo policial: o homem gordo, amante da boa comida, que se destaca a partir de sua particularidade física como exceção dentro do grupo policial. Fator que encontra pares semelhantes como, apenas para nos mantermos em dois exemplos, o rotundo Nero Wolfe do americano Rex Stout e, recentemente, Cormoran Strike de Robert Galbraith (pseudônimo de J. K. Rowling). Uma composição descritiva que contraria a excelência física, potencializado um contraste que será evidente por sua inteligência.
Andrade parece mais uma paródia do policial do que um detetive, de fato, ciente de todas as estratégias para realizar uma boa investigação. Neste aspecto, Perdigão demonstra seu domínio narrativo e o apreço pela literatura policial. Afinal, é necessário conhecer os clichês do gênero para poder parodiá-lo e, simultaneamente, enganar o leitor com a dúvida de estar diante de um genuíno detetive ou um impostor. A narrativa se fundamenta a partir da personalidade de Andrade, rude, agressivo, preconceituoso e, através de um riso grotesco, estabelece a dúvida se, de fato, haverá um crime ou se tudo não passa de teorias de um personagem afetado, um policial em terra brasilis que embebido de nossa brasilidade justifica arroubos de inteligência sem de fato tê-la.
Submerso à investigação policial envolvendo uma possível sabotagem dentro dos Jogos Olímpicos, a trama se destaca também na destruição das aparências, e usa com adequação um evento de alto custo, não por acaso responsável por protestos por parte da população do país, como um contraponto para apresentar o conhecido status quo do país, em que, naturalmente, o popular jeito brasileiro se destaca e permeia as ações da trama.
A prova de que as personagens e a condução narrativa é a linha principal da obra se solidifica no desfecho quando Perdigão manda as favas um ato final com a revelação do enigma, encerrando qualquer descoberta do culpado de maneira anticlimática como se fosse apenas um caso qualquer (e de fato, o autor afirmava tal feita desde o título da obra). Sem, com isso, destruir a narrativa, afinal, Andrade é a grande história e se revela um personagem autêntico daqueles que parte dos leitores terão uma relação definida entre amor e ódio, mas composto com vigor para se tornar inesquecível.
Investigação Olímpica – Mais um caso ordinário do detetive Andrade é um respiro favorável a nossa literatura policial, com um bom personagem autêntico em um estilo tragicômico que se alinha com os contrastes de nosso próprio pais-natal.