Emprestando do cinema a quase sempre questionável mania de dividir uma obra em duas ou mais partes, a quadrilogia literária de The Walking Dead chega ao fim com a segunda parte de A Queda do Governador. E a sensação que fica é a de que o corte fez mal à saga de Robert Kirkman e Jay Bonansinga, pois este livro é o menor de toda a série, tanto em tamanho quanto em conteúdo apresentado.
Se no volume anterior o atrativo ficou por conta do cruzamento com a linha narrativa dos quadrinhos e da nova e assustadora visão que tivemos de personagens já conhecidos, desta vez restou muito pouco para ser mostrado. O Governador sobreviveu à tortura imposta por Michonne, Lilly aceitou definitivamente a liderança dele, e o grupo de Woodbury parte para atacar a prisão. Todo o resto é irrelevante, principalmente a enrolada preparação para o ataque e as tentativas pífias de fazer com o leitor se importe com outros personagens além dos dois protagonistas: Bob foi deixado de lado por muito tempo (um livro inteiro), e é tarde demais para valorizar o capanga Gabe.
O próprio conceito de “outro ponto de vista” não foi trabalhado a contento, prejudicando o entendimento da história tanto para quem não leu os quadrinhos quanto para quem simplesmente não lembra. Nas hqs, a visão é de Rick e seu grupo, mas é perfeitamente possível compreender quem são os inimigos e ter a noção geral do que está ocorrendo. Já o livro não oferece nada sobre os sobreviventes da prisão, deixando o leitor no escuro e sem entender contra quem/quantos o Governador e os seus estão lutando. Ideia proposital, claro, mas que na prática se revelou apenas frustrante.
Em relação aos aspectos positivos, a saga finalmente acertou no equilíbrio entre os protagonistas, fazendo com ambos sejam interessantes. Lilly Caul consolidou o perfil forte e decidido que havia sugerido ter no capítulo anterior, assumindo de forma natural a liderança da comunidade, enquanto Blake estava fora de combate. Aos trancos e barrancos, e demorando mais do que deveria, a evolução da personagem, enfim, aconteceu, baseada no pressuposto de que quem sobrevive naquele mundo tem algo especial, uma capacidade de endurecer. A diferença é que alguns conseguem andar na linha da loucura sem cruzá-la, enquanto outros sucumbem à insanidade; Lilly demonstra pertencer ao primeiro grupo: inicialmente cega na fé no Governador, ela logo percebe que algo está errado.
Blake, por sua vez, cruzou a linha há muito tempo. Não restou muito para ser desenvolvido em relação a ele neste último capítulo, mas ainda assim alguns pontos são dignos de nota. Mesmo consumido pelo desejo de vingança, ele consegue manter uma relativa máscara de sanidade, capaz de levar toda a comunidade de Woodbury a segui-lo em seu sanguinário projeto. Aqui, é visível o paralelo com diversos ditadores históricos, que baseiam sua propaganda na restrição de informações e principalmente no MEDO, levando toda uma nação/população a abraçar guerras sem o menor sentido. E assim como na realidade, a queda do ditador só acontece quando alguém do círculo interno tem a presença e a coragem de enxergar além.
Ao final da leitura, poucas surpresas para quem já conhece a saga, e a certeza de que, com alguma edição, A Queda do Governador poderia ter sido um livro único, ótimo e consistente. Analisando a série literária como um todo, o saldo final é positivo, ainda que o brilhantismo do primeiro capítulo – A Ascensão do Governador – não tenha sido igualado por seus sucessores. Agora, com todos os quatro livros disponíveis pelo selo Galera, da Editora Record, cabe ao fã conferir e tirar suas conclusões.
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Texto de autoria de Jackson Good.
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