O Pato Donald é um dos mais populares personagens dos Estúdios Disney, ofuscando até mesmo o camundongo mascote do conglomerado – principalmente quando pensamos no legado deixado pelas histórias em quadrinhos. São 86 anos desde a criação do personagem até os dias de hoje, e sua trajetória passa por desenhos animados, videogames, álbuns de figurinha e toda e qualquer mídia imaginável. Porém, diferente de seu tio ricaço e avarento, não temos muito material considerado “definitivo” sobre seu passado. Não existe nada equivalente à Saga do Tio Patinhas, de Keno Don Rosa, para contar como e por quê Donald é o que ele é hoje. O personagem vive num eterno presente, sendo um homem comum, vivendo uma vida comum – ou ao menos tentando. Ainda assim, existem diversas pistas, mesmo que algumas sejam contraditórias, sobre partes de seu passado. Sabemos, por exemplo, que ele cresceu no campo, conforme mostrado em seu curta animado de estreia, A galinha sábia, de 1934. Várias hqs fazem referência à essa época, e mesmo desenhos animados das década de 1930 e 1940, bem como um especial do programa Disneylândia, que inclusive mostra a Vovó Donalda. Também podemos dizer que é canônico o fato de Donald ter crescido sem conhecer o seu Tio Patinhas, criação de Carl Barks na história em quadrinhos Natal nas montanhas, de 1947.
Tomando essas e mais algumas pistas deixadas por roteiristas do pato durante décadas, Donald Jovem é uma minissérie em oito partes publicada no Brasil pela Culturama em um volume único de capa dura. Escrita por Francesco Artibani e Stefano Ambrosio, a série tenta preencher esse espaço de tempo em que Donald deixa o sítio da Vovó para estudar na cidade e acaba conhecendo seus amigos mais famosos. Porém, diferente do que Don Rosa fez na Saga do Tio Patinhas, aqui não vemos um período histórico acurado com todo o repertório anterior. Ao contrário, o pato adolescente vive suas aventuras nos dias de hoje, jogando videogames e salvando músicas em pendrives.
O primeiro capítulo mostra justamente elementos de sua primeira aparição em Silly Symphonies, como o clubinho-barco no riacho e seu amigo Porcolino – que na hq é mais um espertalhão do que o preguiçoso do desenho. A dupla passa todo o tempo jogando videogame e aprontando confusões, que levam a um desastre ambiental no campo, o que faz com que Donald seja obrigado a deixar a vida na roça e ir para a cidade. Assim, Patinhas garante a caríssima mensalidade que permite ao seu sobrinho estudar em um colégio interno de Ratópolis. Duas coisas são interessantes de se notar: a primeira é a forma como Patinhas McPato monitora a vida de seu sobrinho remotamente sem que Donald saiba – afinal, eles apenas se conheceriam em Natal nas Montanhas. A segunda curiosidade é ver que, nessa edição, Ratópolis é uma cidade diferente de Patópolis, visto que nas traduções nacionais da Editora Abril ambas eram uma só cidade – mas pode ter sido apenas um deslize da tradução.
No colégio, Donald conhece seu colega de quarto: ninguém menos que o próprio Mickey Mouse, em uma versão de franjinha emo que já nasceu datada (ainda existem emos hoje em dia?). Mickey parece ser o personagem mais descaracterizado de todos. Ao invés do jovial ratinho aventureiro, mostrado nas tiras de Floyd Gottfredson, aqui ele é tímido e inseguro. Afinal, o foco da história, pelo que os roteiristas deixam claro, deve ser unicamente o Pato Donald. Conhecemos também o Pateta, em uma versão também de franja, porém mais voltado para o estilo nerd/hipster. Causa estranhamento ver essa versão mais “inteligente” do Pateta, que curte ficção e mestra RPG para seus amigos. As meninas estão presentes também, sendo que Margarida é uma esportista que a princípio ignora Donald, que se apaixona por ela à primeira vista, e Minnie mantém um crush secreto pelo Mickey – que é recíproco, mas ambos não percebem.
Uma personagem que aparece de forma um tanto surpreendente é a Tudinha, que nos quadrinhos italianos é a parceira romântica de João Bafo de Onça, mas na série é uma garota que sofre bullying de seus colegas de escola por gostar de coisinhas fofas, como uma mochila de coala. Bafo, por sinal, não aparece e, pra dizer a verdade, faz falta na história. Ao invés disso, temos um valentão genérico na escola chamado de Nero, que poderia muito bem ser Bafo. Foi mesmo uma oportunidade perdida.
As histórias têm vários furos de roteiros, personagens mal construídos e inconsistências que saltam aos olhos. Como Donald conhece Mickey, Pateta e a turma toda no colégio que deveria ser de ultra-ricaços? Seriam eles também de famílias de milionários? Por onde anda Dumbella, irmã gêmea de Donald? Eles não deveriam ter crescido juntos? Jamais saberemos…
Para leitores mais puristas, a série pode não agradar por fugir muito de algo que se possa considerar canônico, além do design “moderno” dos personagens que reflete o que pessoas de meia idade imaginam que seja a representação do jovem de hoje. Para leitores mais jovens, por outro lado, pode ser uma excelente leitura, pois o texto flui com o dinamismo sempre presente nas hqs Disney italianas, com quadros grandes e balões de fala enxutos. A arte varia bastante do bom para o médio, mas as cores vivas (mas não saturadas) e o “movimento” das cenas a torna bastante agradável. Algumas piadas parecem um tanto forçadas e até escatológicas (Donald parece não se importar com a limpeza do banheiro ao dividir o quarto com Mickey), outras até mesmo previsíveis. Donald Jovem pode não ser a Saga definitiva do pato encrenqueiro, mas serve como uma boa diversão – principalmente para crianças na faixa dos dez anos de idade. O que acaba sendo uma vantagem, no fim das contas, pois serve para apresenta-las ao incrível mundo dos quadrinhos Disney.
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