Em conversas com amigos, dos mais diversos gostos e pontos de vista, unânime mesmo é uma coisa só: toda história tem seu ponto baixo. Seja numa cena chata de um filme, seja numa passagem interminável de uma bela obra literária ou teatral; toda narrativa tem seu ponto fraco, vide que nada é perfeito. Ao iniciar a saga Fábulas, seus autores certamente reconheceram o ouro que tinham nas mãos, e deram o melhor debute possível a história de Branca de Neve, Lobo Mal, Chapeuzinho, e centenas de outras criaturas lendárias que, para fugirem da destruição no seu mundo encantando, tiveram de se refugiar no nosso mundo.
Ao que parece, a própria condição de reclusão das fábulas nessa dimensão parece ter sortido efeito ao próprio encantamento da história, sendo aqui banalizada nestes fracos arcos, de uma saga que começou tão bem, e que parece ter tido seu grande fôlego inicial diminuído neste compilado, em questão. Em uma premiada saga com mais de 40 volumes já publicados no Brasil pela Editora Panini, no selo adulto Vertigo, da DC Comics, ao que parece o ponto mais descartável da longa história faz-se em Os Ventos da Mudança, e consequentemente, com Terras Natais, sob a impressão cada vez mais clara que a narrativa sofre, aqui, uma bela de uma ressaca junto aos inúmeros acontecimentos dos arcos anteriores, e ótimos volumes de Fábulas.
Após uma enorme batalha entre seres mitológicos ter custado a paz de todos os refugiados, na mítica cidade das fábulas, tudo mudou. Tramas políticas tomam forma e armadilhas são feitas, como se a história agora fosse um episódio perdido de House of Cards com animais falantes, e rainhas de gelo. Cada vez mais, os ícones da mitologia mundial se adaptam a lógica do mundo humano, uma lógica fria, capitalista e cínica, repleta de traições e artimanhas para sobreviverem nas chamadas “selvas de pedra”. Assim, velhos amigos retornam, novos inimigos retiram suas máscaras para infernizar (mais ainda) a vida do xerife da Cidade, enquanto um jovem guerreiro aterroriza as terras natais galgando sua fama de invencível. E o que parecia ser uma saga, agora, ganha contornos de uma coleção de contos pobremente conectados.
Se em Os Ventos da Mudança perde-se um tempo valioso com longos flashbacks que nada somam a mitologia geral, apenas para a saga ter um ar de aventura descompromissada – uma exigência da editora, provavelmente –, o desinteresse pelo enredo e suas digressões começa a tomar forma muito antes do final. Um volume preguiçoso, em que os poucos acontecimentos que realmente importam carregam certo impacto, tal o nascimento dos seis filhos de Branca de Neve, para logo tornarem-se esquecíveis no começo de Terras Natais, em que a história parece relembrar um pouco do seu rumo, e seu fôlego, e aposta novamente no prazer da construção e na exploração de um mundo próprio, e adorável, repleto de possibilidades espetaculares.
Ao final, descobrimos que as fábulas originais já estão divididas, todas com interesses mesquinhos e nada altruístas, e o príncipe que era encantado já virou sapo, faz tempo. Fábulas conta também com seus traços inconfundíveis, tão vibrantes que não perderiam sua força nem mesmo em uma versão preto e branco, mas que não apresentam mais aquele minimalismo gráfico que tanto colaboraram para a boa experiência de se mergulhar nas cores, e no movimento dos volumes anteriores. Uma publicação, enfim, que não deixa de ser sobre a desilusão com o mundo adulto e moderno, distópico por natureza, ou ainda, acerca de uma falta de empatia generalizada com o próximo. Algo que ninguém parece ter a cura. Nem no reino mágico, muito menos num mundo cuja única magia, o amor, sempre foi tão subestimada.
Compre: Fábulas – Volume 3.