Tag: Steve Leialoha

  • Resenha | Fábulas – Livro Três

    Resenha | Fábulas – Livro Três

    Em conversas com amigos, dos mais diversos gostos e pontos de vista, unânime mesmo é uma coisa só: toda história tem seu ponto baixo. Seja numa cena chata de um filme, seja numa passagem interminável de uma bela obra literária ou teatral; toda narrativa tem seu ponto fraco, vide que nada é perfeito. Ao iniciar a saga Fábulas, seus autores certamente reconheceram o ouro que tinham nas mãos, e deram o melhor debute possível a história de Branca de Neve, Lobo Mal, Chapeuzinho, e centenas de outras criaturas lendárias que, para fugirem da destruição no seu mundo encantando, tiveram de se refugiar no nosso mundo.

    Ao que parece, a própria condição de reclusão das fábulas nessa dimensão parece ter sortido efeito ao próprio encantamento da história, sendo aqui banalizada nestes fracos arcos, de uma saga que começou tão bem, e que parece ter tido seu grande fôlego inicial diminuído neste compilado, em questão. Em uma premiada saga com mais de 40 volumes já publicados no Brasil pela Editora Panini, no selo adulto Vertigo, da DC Comics, ao que parece o ponto mais descartável da longa história faz-se em Os Ventos da Mudança, e consequentemente, com Terras Natais, sob a impressão cada vez mais clara que a narrativa sofre, aqui, uma bela de uma ressaca junto aos inúmeros acontecimentos dos arcos anteriores, e ótimos volumes de Fábulas.

    Após uma enorme batalha entre seres mitológicos ter custado a paz de todos os refugiados, na mítica cidade das fábulas, tudo mudou. Tramas políticas tomam forma e armadilhas são feitas, como se a história agora fosse um episódio perdido de House of Cards com animais falantes, e rainhas de gelo. Cada vez mais, os ícones da mitologia mundial se adaptam a lógica do mundo humano, uma lógica fria, capitalista e cínica, repleta de traições e artimanhas para sobreviverem nas chamadas “selvas de pedra”. Assim, velhos amigos retornam, novos inimigos retiram suas máscaras para infernizar (mais ainda) a vida do xerife da Cidade, enquanto um jovem guerreiro aterroriza as terras natais galgando sua fama de invencível. E o que parecia ser uma saga, agora, ganha contornos de uma coleção de contos pobremente conectados.

    Se em Os Ventos da Mudança perde-se um tempo valioso com longos flashbacks que nada somam a mitologia geral, apenas para a saga ter um ar de aventura descompromissada – uma exigência da editora, provavelmente –, o desinteresse pelo enredo e suas digressões começa a tomar forma muito antes do final. Um volume preguiçoso, em que os poucos acontecimentos que realmente importam carregam certo impacto, tal o nascimento dos seis filhos de Branca de Neve, para logo tornarem-se esquecíveis no começo de Terras Natais, em que a história parece relembrar um pouco do seu rumo, e seu fôlego, e aposta novamente no prazer da construção e na exploração de um mundo próprio, e adorável, repleto de possibilidades espetaculares.

    Ao final, descobrimos que as fábulas originais já estão divididas, todas com interesses mesquinhos e nada altruístas, e o príncipe que era encantado já virou sapo, faz tempo. Fábulas conta também com seus traços inconfundíveis, tão vibrantes que não perderiam sua força nem mesmo em uma versão preto e branco, mas que não apresentam mais aquele minimalismo gráfico que tanto colaboraram para a boa experiência de se mergulhar nas cores, e no movimento dos volumes anteriores. Uma publicação, enfim, que não deixa de ser sobre a desilusão com o mundo adulto e moderno, distópico por natureza, ou ainda, acerca de uma falta de empatia generalizada com o próximo. Algo que ninguém parece ter a cura. Nem no reino mágico, muito menos num mundo cuja única magia, o amor, sempre foi tão subestimada.

    Compre: Fábulas – Volume 3.

  • Resenha | Fábulas – Livro Um

    Resenha | Fábulas – Livro Um

    A ideia de juntar o fabulesco com o real, as criações dos irmãos Grimm, de Walt Disney e outros antigos autores, e fazê-las se cruzar em mil e uma situações pelas calçadas e prédios de Nova York, é irresistível demais para habitar apenas o terreno das idealizações. E qual outra mídia seria mais adequada para o surreal explodir com suas cores, seus célebres exageros, seu ideal satírico do que as histórias em quadrinhos?

    A nona-arte consegue abordar com naturalidade e fascínios impressionantes a crueza do mundo real, cheio de leis, sexo e contradições, e ao mesmo tempo o fabuloso e o onírico, sendo um palco narrativo mais do que perfeito para uma premissa que visa juntar todas as figuras (ou boa parte delas) dos contos de fadas, e de outras mundialmente famosas reinações infanto-juvenis, em torno de um crime sem solução.

    Sempre no limiar entre a verdade, e a ficção, a trama desse primeiro volume se inicia com o arco Lendas no Exílio, e envolve os mitológicos Branca de Neve, o Lobo Mal, Príncipe Encantado, Barba Azul e muitos outros ícones em forma humana, infiltrados na sociedade americana após fugirem dos reinos encantados onde moravam, escapando de uma força demoníaca avassaladora. Conformados, e cientes de precisarem superar suas desavenças clássicas para sobreviverem do lado de cá, tudo vai bem até que o exílio dessas figuras é conturbado pela morte de Rosa Vermelha, a irmã de Branca de Neve.

    Ao desencadear uma investigação que nos faz conhecer a fundo vários segredos, descobrimos junto do Lobo Mal, o experiente detetive que parece uma versão caricatural de William Somerset, de Os Sete Crimes Capitais, que ninguém consegue se manter inocente neste mundo real. Com um mistério pedindo resolução, todas as personagens acabam se entrelaçando (a relação de um dos três porquinhos com o Lobo é ótima, mesmo que rapidamente mostrada), mas bem distante do contexto e dos valores fabulescos que aprendemos a vê-los, desde a nossa infância.

    Todos(as) estão jogados aqui numa espécie de rascunho de um conto mal elaborado de Agatha Christie. Isso porque a história é totalmente dependente da sua premissa inicial, e fraca no desenrolar da trama oriunda da ideia central. Em certos pontos, a trama (frágil, e previsível) recicla alguns diálogos expositivos e certas explicações também, pois parece não se sustentar com seu pleno desenvolvimento. Aqui, o roteirista Bill Willingham prefere sempre olhar o passado para desdobrar as situações presentes, e nunca alçar o futuro, como nem mesmo o final um tanto inseguro, deste primeiro volume, consegue transparecer.

    Mantendo um certo interesse (em especial nas primeiras cenas, nas quais as interações entre personagens provam o potencial pobremente aproveitado da história), e com belíssimos painéis beneficiados pelo traço instigante e detalhista de Lan Medina, o começo desta saga publicada no Brasil em 2012 pela editora Panini, sob o selo Vertigo, da DC Comics, conta com inúmeras lendas dos contos de fadas refugiadas em um cenário urbano, onde é proibido revelarem suas reais aparências. Porém, em termos de juntarem essas figuras em torno de um desaparecimento de uma delas, em uma ambientação atual, cínica, e cheia de conflitos mesquinhos, digamos que o antigo O Mistério de Feiurinha fez muito menos, ser muito mais.

    Afinal de contas, a resistência, o não-conformismo e a luta instigam muito mais que a possível vitimização, o silêncio e a fuga conformista dos exilados. Com Fábulas – A Revolução dos Bichos, a evolução natural da história acontece, com seus elementos básicos sendo muito mais bem aproveitados que no início desta saga sobre os mitos refugiados, e em convívio, neste nosso mundo real não tão doce, e colorido, assim. Se no fraco Lendas no Exílio, os ícones dessa dimensão surreal precisavam se acostumar com um novo cenário, e com a saudades da terra natural (de onde foram enxotados, por uma força diabólica irrefreável), agora chegou a vez da revolta dos exilados – e no maior estilo George Orwell, versão luta armada de guerrilha.

    Saem os conformados civilizados, entram os rebeldes inconformados: não mais na Nova York do volume anterior, mas numa fazenda isolada aonde as lendas que se recusam a ficar numa forma humana precisam morar – bem longe dos olhos dos “mundanos”, como por eles somos chamados, assim como éramos os “trouxas” para os bruxos de Harry Potter. Cientes de que não estão vivendo um “felizes para sempre” nesta fazenda, já que o gosto de injustiça ainda é muito presente para eles, os porquinhos apenas desejam reconquistar o reino encantado de onde todos precisaram escapar da noite, para o dia.

    A tanto, um ideal separatista toma conta dos ânimos das criaturas da Fazenda, e os porcos se mostram militantes obstinados a agregar mais pessoas a aventura de retomada do seu lugar de origem. Caso contrário, a opinião é de que nunca terão de volta a liberdade e a segurança que tinham, mas nem todos querem se arriscar. Numa crítica ao totalitarismo, e a selvageria que habita em toda ideologia imposta a uma população, a história se entrega ao gênero de aventura de suspense, recheada de pequenos bons momentos satíricos quando a tensão é capaz de sufocar quaisquer dos leitores, numa trama deliciosamente imprevisível.

    Neste segundo volume, muito mais bem resolvido e ousado, vários clássicos da literatura do pós-guerra são homenageados, como o próprio A Revolução dos Bichos, de Orwell, e o extraordinário O Senhor das Moscas, de William Golding. Quando uma facção começa a se formar na fazenda das fábulas, uma luta pelo poder toma corpo entre os conterrâneos que deveriam se unir contra um mal maior. Assim, lidando com esse trabalho de filosofia moral que a história sobre separações e autoritarismo oferece, o roteirista Bill Willingham explora com grande dinamismo as relações mundanas entre os ícones mitológicos, e acima de tudo, a ética dessas criaturas que passam a lidar com seus choques ideológicos num mundo antes simples, e hoje, complexo.

    Mortes, prisões, e reviravoltas inesperadas começam a dar o tom, e o plano que era o melhor para todos os exilados, vira exatamente o contrário. Ninguém está seguro, mais, e todos parecem ser cúmplices de verdades absolutas que não beneficiam ninguém. Difícil acreditar que Branca de Neve, o coelho da Alice, e até mesmo uma Cachinhos Dourados armada não merecem nossa confiança, mas nota-se ser impossível reconquistar o reino encantado, e manter a paz entre todos, ao mesmo tempo. A Revolução dos Bichos é uma ótima e reflexiva diversão com uma arte gráfica belíssima, e belos painéis ilustrando novamente este mundo remodelado, e tão simbólico quanto real, do ‘era uma vez’.

    Compre: Fábulas – Volume 1.

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