Normalmente quando escrevo para ao site busco manter uma estrutura com uma breve introdução, sinopse, discussão sobre o quadrinho e por fim uma avaliação se vale a pena ou não a leitura da HQ. Tal como o quadrinho de Rafael Calça (roteiro) e Jefferson Costa (arte) vamos mudar tudo e fazer algo diferente: leia, simplesmente leia esse quadrinho. Que me desculpe os outros autores que participaram da MSP, e muitos com grandes histórias, mas Jeremias – Pele é, em minha opinião, o melhor título lançado pelo selo até então.
O primeiro ponto para sustentar essa minha afirmação é que esse quadrinho transcende os seus objetivos primários, não se trata apenas de entretenimento ou mesmo de arte se levarmos a discussão para esse campo, mas de uma abordagem que faz com que a história se embrenhe por questões sociais extremamente relevantes para o nosso país, nesse caso o racismo. Não se trata aqui de falso moralismo, mas o quadrinho toca onde a ferida dói, em nossos preconceitos básicos, de enxergar o negro em funções consideradas menores dentro de uma divisão social do trabalho, de considerar que uma pessoa negra não possa ser bem sucedida a não ser em profissões pré-estabelecidas e muitas vezes caricatas.
Pele aborda também o bullying que esse grupo social sofre diretamente, como mostrado pelos colegas de turma do Jeremias e outros de maneira indireta (num típico exemplo de racismo velado), como é o caso da professora do protagonista que distribui profissões aos seus alunos para um trabalho escolar. Se isso não fosse o bastante, o quadrinhos também destaca pontos que nos fazem refletir: por que o negro ou o pobre não tem o direito de sonhar? Por que não se pode concede a essas pessoas a possibilidade de ao menos almejarem uma melhor situação na sociedade? São questionamentos são apresentados durante a história tanto de forma direta quanto indireta.
Não se pode esquecer também de alguns personagens coadjuvantes, principalmente os pais de Jeremias. O inconformismo do pai não se trata de raiva devido aos problemas do filho, mas uma questão geracional que ele passou e vê seu filho em uma estrutura social muito parecida, o que faz entender a explosão de nervos e como a embalagem do preconceito pode mudar, mas não o seu conteúdo. O mesmo se pode dizer da mãe e o seu relato sobre sua infância e seus cabelos e como ela passou por um processo de aceitação para ter o visual dos dias de hoje.
Enfim, uma HQ sensacional, de uma importância tremenda para os nossos dias e que certamente, tendo em vista o alcance de Maurício de Sousa, fará um belo trabalho educacional desde a mais tenra idade até os mais marmanjos. Destaque para o trabalho de arte de Costa, que possui um traço dinâmico, e utiliza as cores em prol da narrativa, além de diversas referências espalhadas ao universo da Turma da Mônica, e claro, ao movimento negro. O álbum ainda conta com um belo texto de quarta capa do rapper Emicida. Como dito anteriormente, Jeremias – Pele transcende a própria mídia e vai além pela crítica e pelo posicionamento. Aliás, deve-se louvar uma leva de artistas e quadrinhos nacionais que tratam de questões sociais e realizam uma justa e necessária crítica ao nosso contexto atual.
Compre: Jeremias – Pele.
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Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.