E se a baía de Santos passasse por um dia de baía de Tokyo e, como é extremamente comum, praticamente cotidiano no Japão, fosse invadida por monstros gigantes? Quais as ações e possíveis consequências deste tipo de situação? Pode-se dizer que essa seria a sinopse da HQ de Gustavo Duarte – Monstros –, que nos apresenta um primoroso trabalho que demonstra o dinamismo que um gibi desse pode e deve ter.
O roteiro em si é bastante simples, basicamente três monstros gigantes invadem a cidade de Santos e um simpático e pacato dono de “buteco” (antes que venham me corrigir, o buteco é uma instituição adorada de cidades interioranas de Minas Gerais e São Paulo, tal como Bauru, a cidade de Duarte, portanto, se escreve assim mesmo, da forma mais caipira possível de se falar) vai resolver o problema e caçar os monstros que estão destruindo a cidade.
Porém, o maior destaque da HQ se dá pela narrativa gráfica, já que não existe nenhum balão de diálogo. A grande característica do estilo de Duarte é justamente produzir gibis que não tenham diálogos ou descrições textuais, fazendo com que a relação entre os quadros seja o grande responsável pela condução da narrativa. Aliás, aí se encontra o ponto forte da revista, a narrativa gráfica de Duarte. É impressionante como ele consegue dar fluidez para a sua arte, que neste caso se trata de uma união entre arte e roteiro, já que o desenvolvimento da história e da trama acontece apenas nos desenhos e na relação entre eles.
Isso traz a discussão da própria questão da construção de uma HQ, muitas pessoas ficam atentas apenas aos quadrinhos e aos dizeres dos personagens e esquecem que a arte não se trata de um complemento, mas de elemento fundamental, não como ilustração, mas como narrativa. Basta ler antigas revistas em que todas as ações eram mostradas na arte e descritas nos balões; era muito ruim, podem acreditar. Logo, imagine Monstros como um filme mudo, você vai compreender tudo, não precisa de alguém lhe falando tudo.
Além da narrativa gráfica, que é o ponto mais importante, o gibi se destaca pela quantidade de referências à cidade de Santos, à cultura pop e à cultura brasileira de forma geral. É interessante vermos partes da cidade como o calçadão, o porto de Santos e o Museu de Pesca serem retratados na passagem dos monstros pela cidade. Também é interessante a quantidade de referências que demonstra a própria personalidade e gostos do autor, como o símbolo do “Norusca”, tradicional time da cidade de Bauru; o símbolo da banda Ultraje a Rigor, que se faz presente em um dado momento e o mais legal neste sentido: o encontro do caçador de monstros com seus três amigos que são a caricatura do Roger (Ultraje a Rigor), Flea (Red Hot Chili Peppers) e Bi Ribeiro (Paralamas do Sucesso). Já a cultura popular é representada por referências como os “causos de pescador”, o ápice da cultura de buteco, o expoente maior do exótico, o símbolo de um local e dos vitoriosos que conseguiram sobrepujá-lo: o ovo colorido de bar (que tem um importante papel na trama). Várias referências são apresentadas, com destaque também para os seriados japoneses, inspiração primeira da HQ.
Enfim, vale muito a pena, mais do que recomendado o gibi de Gustavo Duarte, que se trata de um dos maiores nesta nova geração de quadrinistas brasileiros que estão se destacando no mercado. E, ao ler o gibi e comprovar toda a capacidade do autor, penso que (em tom de desabafo) deve ter acontecido alguma interferência para que Pavor Espaciar fosse tão meia boca. Mas, procurem, leiam! Monstros é muito bom.
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Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.