Algumas leituras podem se iniciar de forma claudicante, crescendo pouco a pouco, até se encerrarem de forma arrebatadora. A fase de Chip Zdarsky à frente de Peter Parker: The Spectacular Spider-Man. Se no encadernado anterior o autor apresentou uma enfadonha e inorgânica aventura de viagem no tempo que culminou em uma previsível aventura distópica, neste novo volume temos uma gradativa evolução. O autor encerra seu trabalho com o Homem-Aranha em um encadernado essencialmente focado no emocional de seus personagens, na grandeza e na bondade humana.
Encerrando a modorrenta aventura futurista do volume anterior com um grande ato altruísta do herói aracnídeo, Zdarsky se desprende das amarras editoriais e investe em histórias mais dramáticas e com maior peso autoral. O escritor conta com Chris Bachalo para contar uma história sobre o Homem Areia, na qual Flint Marko se encontra à beira da morte e com perturbadoras visões de um futuro distante. A grande capacidade empática do Aranha é colocada em cena quando o herói se dispõe a cuidar do outrora inimigo, inclusive lutando por ele contra uma corrompida versão futurista do próprio Areia. A arte de Bachalo nessa história em duas partes é um deleite absoluto, contando com diagramações extremamente inventivas e soluções visuais de uma criatividade ímpar.
John Jonah Jameson, o irascível ex-dono do Clarim Diário e ex-prefeito de Nova York, passou por profundas transformações nas mãos de Zdarsky, ao enfim descobrir a identidade do Homem-Aranha. Compreendendo Peter e seus dilemas enquanto vigilante mascarado, JJ tem se esforçado para ser um homem melhor e compensar os danos que causou à imagem do Aranha ao longo dos anos. Tal mudança, contudo, não apaga muitos dos erros do passado do jornalista, o que o leva a sofrer com os ataques de um editor concorrente dos tempos de Globo Diário. A trama, desenhada brilhantemente por Michael Allred, logra êxito ao mostrar o grande coração de Jonah, tanto no presente quanto no passado, quando se mostrou disposto a ajudar um garoto do Queens cuja vida fora transformada pela tragédia com a morte do tio. Zdarsky confere camadas à personalidade de Jameson, dando ao personagem um tratamento poucas vezes dado desde seu surgimento nos anos 60.
Após boas histórias, Zdarsky encerra sua fase no título do Aranha com uma pérola que, de tão preciosa, foi indicada ao prêmio Eisner, o Oscar dos Quadrinhos. Elaborando a trama em uma espécie de documentário inserido metalinguisticamente dentro da narrativa, o autor coloca diversos anônimos sendo entrevistados e falando o que pensam do Homem-Aranha, mostrando como o herói impacta a sociedade com suas atitudes. Relatos dos mais distintos surgem, desde policiais até advogados e vendedores de rua, evidenciando as múltiplas formas pelas quais o Aranha é enxergado pela população de sua cidade. Destaca-se na narrativa a história de uma mãe cujo filho se envolve com a criminalidade e é salvo desse caminho pela influência do Escalador de Paredes em sua vida, ainda que algum tempo depois o garoto viesse a morrer, vítima dos criminosos de quem o Aranha o salvou algum tempo antes. A história, que conta com texto e arte emocionantes de Zdarsky, se encerra com um dos depoimentos colhidos nas ruas, de um anônimo Peter Parker, que sintetiza com maestria e refinamento a essência do Homem-Aranha, aquilo que faz dele um dos personagens mais amados da ficção contemporânea:
“Eu acho que o Aranha é um cara lega. Ele tenta fazer a coisa certa, e, com sorte, as pessoas acabam vendo isso. Mas… ele também é humano. Comete erros. Ele… não pode salvar todo mundo. Por isso, quando penso no Homem-Aranha… me lembro desse fardo que ele carrega. O cara segue em frente, apesar dos fracassos, sabendo que, no fim das contas, ele ajuda os outros. Faz tempo que o Aranha tá nessa, mas, quando penso nele, acho que, haja o que houver… ele nunca vai desistir”.
O conto capta com perfeição a essência do personagem, seu heroísmo e seu grande coração, e se coloca facilmente no patamar das grandes histórias do Amigão da Vizinhança, como “O Garoto Que Colecionava Homem-Aranha” e “Leah” entre muitas outras. Iniciado de forma inconstante, o volume se encerra com chave de ouro. Méritos de Chip Zdarsky.
O ponto negativo do encadernado de 148 páginas e capa cartão vai para o tratamento editorial da Panini, que escolheu a pior capa possível para o encadernado e que poderia ter dedicado um pouco mais de atenção à creditação que consta na capa, ao listar Joe Quinones (que não desenhou nenhuma edição compilada nesse volume) como parte da equipe criativa, solenemente se esquecendo de Bachalo e Allred, que de fato trabalharam no volume.