O famigerado reboot há pouco promovido pela DC tinha claramente um, e, a despeito de qualquer desculpa que tenha sido lançada aos fãs, apenas um objetivo: catapultar as vendas da editora e torná-la novamente competitiva frente à sua maior rival, a Marvel. Tal objetivo foi alcançado com louvor, sendo um dos principais motivos o fato de a reformulação ter permitido que o novo leitor, que se sentia intimidado perante o caos que então imperava na cronologia da editora, finalmente ingressasse nesse universo.
Na antiga conjuntura do universo DC, havia de fato pouquíssimas histórias que serviam de ponto de ingresso adequado para o leitor que pouco ou nada sabia sobre o mundaréu de aventuras já enfrentadas por determinado herói ou grupo de heróis. Entretanto, a “faxina criativa” acabou por apagar não só essas raras, mas ainda louváveis, fases que podiam ser assimiladas por alguém que nunca antes tivera contato com quadrinhos, como também as não tão raras boas histórias idealizadas ao longo das muitas décadas de prevalência da antiga ordem cronológica. E Sociedade da Justiça nº 01, encadernado lançado pela Panini em abril de 2011, amalgama ambas as coisas – o que, infelizmente, não vale muita coisa no atual momento.
A revista reúne do 30º ao 35º número da terceira série da Sociedade da Justiça da América, que perdurou de 2006 a 2011. O volume conta com os dois primeiros arcos escritos por Bill Willingham, criador da premiadíssima série Fábulas, em sua curta passagem pela revista. No primeiro e mais interessante deles, Sementes Ruins, vemos uma equipe ainda imatura, chefiada por alguns heróis do primeiro escalão – Flash (Jay Garrick), Lanterna Verde (Allan Scott), Pantera (Ted Grant), principais responsáveis por essa nova formação, e alguns outros como a Poderosa –, mas composta principalmente por buchas de segunda e terceira categoria – Mr. América, Homem-Hora, Rajada, Tempestade e Mestra Judoca –, lidar simultaneamente com três perigosas ameaças: um bem-arranjado ataque de diversos vilões, a infiltração de um inimigo desconhecido que propaga insegurança e medo dentro do time, e um racha interno provocado pelas discrepantes visões dos veteranos e dos heróis do novo século para com o papel das equipes de super-humanos na sociedade.
Competente ao intercalar as três tramas, o roteiro acaba por agradar a leitores com diferentes interesses. Os fãs da boa e velha porradaria não se decepcionam, ao passo que tanto aqueles que buscam por um mistério que perpasse a aventura quanto os que esperam visões mais frescas sobre o mundo dos heróis – aqui presenteados com um instigante debate sobre a funcionalidade das super-equipes dos velhos tempos, “clubinhos sociais felizes”, como descrito na própria revista, em um mundo cada vez mais militarizado – também sairão satisfeitos.
Já o segundo arco, Impiedoso, consiste num episódio blasé, em que os heróis encarram e derrotam, sem grandes dificuldades, um mago poderoso, porém não muito astuto. Embalados pelos consistentes e detalhados – em níveis diferentes, é claro – traços de Jesús Merino e Travis Moore, respectivamente, esses dois arcos compõem um encadernado divertido, que pode ser apreciado por ávidos consumidores ou por novatos no mundo dos quadrinhos, como este que vos escreve.
Que o material é bom, isso é. Mas cabe ao leitor responder a seguinte questão: uma boa história – e nada além disso – situada na antiga cronologia, e que, portanto, de nada mais vale no universo DC, ainda merece ser consumida, ou os trâmites editoriais jogaram no lixo não só os esforços criativos de diversos realizadores, como também o valor a eles agregado?
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.