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  • Crítica | A Economia do Amor

    Crítica | A Economia do Amor

    Produção franco-belga de 2016, A Economia do Amor estreou no Festival de Cannes do mesmo ano com a temática recorrente de Joachim Lafosse sobre a dificuldade de se manter um relacionamento parental. O título equivocado pode induzir a uma comédia romântica quando se trata de um drama denso.

    Após a separação, Marie e Boris são obrigados a conviver juntos com as duas filhas gêmeas enquanto acertam os detalhes financeiros da venda da casa.

    O roteiro escrito a quatro mãos pelo diretor Joachim Lafosse (Os Cavaleiros Brancos), em parceria com Fanny Burdino, Mazarine Pingeot e Thomas van Zuylen, acerta na simplicidade da história. O casal aos poucos vai mostrando ao espectador a sua falta de sintonia, as rusgas do relacionamento vão aparecendo em um diálogo, um olhar, a forma de andar, e, principalmente, como os dois lidam com as filhas.

    A narrativa simples se constrói em sua maior parte em torno dos diálogos. Como o casal já inicia o filme separado, nada mais interessa a não ser mostrar a gigantesca discussão que os levou até aquele ponto e que tenta terminar na partilha da casa, a tal “economia do amor”. Entre uma recaída e outra, o casal ainda tenta uma convivência, mas as rusgas existentes não deixam, como na boa cena em que Marie recebe seus amigos no pátio da casa e Boris aparece e azeda o clima.

    O fato do filme se passar quase em sua totalidade na casa tenta passar reforçar a premissa ao espectador de que a convivência entre as pessoas é complexa quando não há sintonia entre os envolvidos. A única parte do roteiro em que se sai da casa é para demonstrar como o deslize de um dos dois quase causou um acidente fatal com uma das filhas.

    A atuação da sempre ótima Bérénice Bejo é um dos pontos altos do filme. Cédric Khan cumpre o seu papel, porém a química entre os dois poderia ser melhor. As irmãs gêmeas Jade e Margaux Soentjens não comprometem como os filhos do casal.

    A direção de Lafosse é direta, bruta e seca. Como o diretor preza pelo realismo dos tempos mortos em excesso, não há a construção de uma curva dramática, a mise-en-scène que reflete o embate entre os dois protagonistas acontece desde o início do filme e não denota evolução. A escolha por uma única locação em mais de 90% do filme chega a ser claustrofóbica, uma obviedade desnecessária do diretor em manter o foco do espectador para o que acontece sob o teto de um casal. A casa caiu, mesmo permanecendo lá.

    A fotografia naturalista de Jean-François Hensgens está em sintonia com a proposta realista de Lafosse, no entanto, ela poderia se destacar em mais partes além da boa cena de interação com o casal de amigos. A edição do filme de Yan Dedet poderia privilegiar menos alguns dos tempos mortos para deixar o filme com um ritmo melhor e menos cansativo, o que não iria atrapalhar em nada a proposta do diretor.

    A Economia do Amor deve interessar a quem busca temas pesados sobre a dificuldade de um relacionamento adulto.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

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  • Crítica | O Passado

    Crítica | O Passado

    O-Passado

    O Passado, no Brasil  inicia-se mostrando, através de imagens e da ausência de vozes, o distanciamento entre duas pessoas, antes mesmo de explicitar o nível de relacionamento de ambos. Marie (Bérénice Bejo) busca no aeroporto o ex-marido, Ahmad (Ali Mosaffa), que volta do Teerã após longos quatro anos que o distanciaram da mulher. O tema, controverso demais na cultura muçulmana, é novamente abordado por Asghar Farhadi, realizador do recente contestador e vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, A Separação.

    Ao chegar à casa que deveria ser sua, Ahmad parece um espécime de outro planeta. Aqueles que deveriam saudar a sua chegada o veem com ressalvas, e ele percebe que a rotina da família segue muito diferente daquela que ele conhecia. Mesmo já sabendo o motivo que fez com que sua esposa o chamasse de volta a França, ouvir a sentença dos seus desejos em uma frase previamente formada dói bastante, o que faz com que olhe internamente para si, possivelmente para realizar uma análise sobre como tal situação se desenhou. Os detalhes nos cômodos vazios e em reforma explicitam a tentativa de construção (ou reconstrução), que visam um novo lar, uma nova vida para Marie e sua família, obviamente sem a presença de Ahmad.

    Mas a trajetória do homem resoluto inclui situações de difícil resolução, especialmente quando ele encara Lucie (Pauline Burlet), a filha adolescente de Marie, que se mostra muito decepcionada com a passividade dele em ceder o divórcio, da mesma forma com que demonstra repúdio pelo novo chefe da família. Ahmad tem de viver sob o mesmo teto com Samir (Tahar Rahim) por alguns dias, onde até afazeres domésticos, como o conserto de canos, são disputados, e realizados não por meio de ações enérgicas, mas por olhares de reprovação que não causam mal a priori, mas geram um mal-estar visível.

    A perene chuva, que cai perto de Ahmad após ele saber as “novidades”, simboliza o seu estado de espírito diante do novo paradigma familiar imposto e de sua impossibilidade de mudar o quadro que, aos poucos, ganha contornos definitivos. Este incômodo é igualmente presente, pois devasta sua autoimagem e finalmente explicita a sua incapacidade de mudar o desenrolar dos acontecimentos, pois as capacidades de Ahmad estão aquém de realizar as mudanças que deseja para si. O tema apresentado no filme anterior de Farhadi é reiterado neste, mas por meio de detalhes mais diferenciados e ramificações ainda mais sérias, ainda que as consequências da quebra da moralidade sejam igualmente superlativas.

    É curioso como os infantes conseguem proferir sentenças muito mais sóbrias do que os seus ancestrais, vendo de forma sincera o pesar da morte e a crueldade inerente à vida. Eles são livres das amarras do conservadorismo e da preservação ordeira, são quase puro instinto e dão vazão aos sentimentos de modo humano e natural, preocupando-se com o que realmente vale. Mas esse instinto não é sinônimo de inocência ou de remição de culpa; não há personagens perfeitos, tampouco alguém pelo qual o espectador torça sem qualquer ressalva. As pessoas envolvidas neste emaranhado emocional são propensas a erros e fazem questão de demonstrá-los em muitas oportunidades.

    A reticência de Ahmad, presente em seu olhar desde o início da película, justifica-se quando ele percebe que sua interferência fez muito mais mal a sua antiga família do que ele jamais poderia imaginar. Cada boa ação do personagem tem um castigo específico e uma consequência pesada e de proporções distintas para cada um dos indivíduos envolvidos nesse arranjo confuso. Seu discurso é ouvido por todos, já que a maioria dos personagens o vê como um homem sábio, mas ainda assim ele é somente um teórico que conjetura hipóteses sobre a saúde familiar padrão sem jamais ter sido um pai biológico. O protagonista se vê convidado a interferir na vida daqueles que já não são mais seus próximos, ainda que tal apelo seja movido pelo revanchismo de Marie  segundo a conclusão a que o homem chega.

    O protagonismo da história é dividido entre alguns dos personagens, cujas trajetórias possuem equivalência em importância dramática. Apesar de não terem o mesmo espaço em tela,  inclusive aqueles que não estão presentes para se defender, partilham os pecados da negligência e do egoísmo. Algumas das discussões mais constantes são quais os limites em que a dor justifica um ato passional e quais são as consequências éticas destes atos, uma vez que eles interferem diretamente na existência e nos sentimentos humanos. Mais uma vez a sensibilidade é algo preponderante na obra de Asghar Farhadi, que consegue equilibrar emoção e a discussão da hipocrisia intrínseca à sociedade.