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  • Crítica | Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

    Crítica | Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

    eduardo coutinho 7 de outubro“Minha vida é tão pobre que eu preciso filmar”, diz Eduardo Coutinho durante entrevista dada a Carlos Nader, que viria a se tornar o documentário Eduardo Coutinho, 7 de Outubro, no qual o documentarista se torna o documentado. Tarefa nada fácil delegada a Nader pelo Sesc, devido às particularidades do seu entrevistado.

    A obra surgiu como uma proposta do diretor e produtor João Moreira Salles feita a Nader para que codirigisse, junto com Coutinho, Últimas Conversas – que seria o último trabalho do saudoso documentarista -, prontamente declinada por Nader por não se achar à altura de trabalhar com alguém que sempre considerou um mestre. No entanto, pouco tempo depois o Sesc viria a propor uma atividade com entrevistas de 15 minutos com octogenários. Assim, após o contato realizado com Coutinho e o convite aceito, a entrevista foi marcada para sete de outubro de 2013. O que, a princípio, seria uma produção de 15 minutos se tornou um filme de 73 minutos que, segundo Nader, se estendeu por aproximadamente 5 horas de conversa.

    O filme inicia com Coutinho chegando ao estúdio onde será realizada a entrevista; de modo habitual, o documentarista reclama da vida, da saúde, com seu delicioso mal-humor característico, e de suas queixas passa a conjecturar a respeito de palavrões e a origem de alguns termos. Uma típica conversa de nosso cotidiano que não parece importante, mas que muitas vezes diz algo sobre nós mesmos. O diálogo inicial à entrevista de Coutinho faz rima com seu trabalho de diretor, dando voz àquilo que a sociedade não parece se importar. Ao mesmo tempo, apesar de Nader não ver em Eduardo Coutinho, 7 de Outubro um trabalho tipicamente autoral, ele sabe como sua carreira tem muito de Coutinho e do homem comum. Coincidentemente O Homem Comum, seu último trabalho, diz muito sobre isso, e do mesmo modo fala sobre a filmografia de seu entrevistado. “Ser ouvido é ser legitimado. Mas quem quer dar voz para outro?”, indaga Coutinho.

    eduardo coutinhoSe para alguns cineastas o cinema deve sempre trabalhar com profundidade aos temas humanos, para Coutinho ela é ironizada e se torna motivo de zombaria para o diretor, que afirma que a humanidade está naquilo que é superficial, no cotidiano. O banal que nos humaniza. Coutinho era conhecido como o “cineasta dos outros” pela forma como estimulava uma conversa, a troca realizada entre entrevistado e entrevistador, a escuta legítima, a necessidade de se ouvir; e fazia isso como ninguém. Sabia da importância de, ao se realizar um documentário, não se esconder no anonimato de seus trabalhos. Isso é demonstrado por meio da simplicidade com que conduzia seus filmes, utilizando uma equipe pequena. A forma de uso de câmera, não fazendo a menor questão de esconder a aparelhagem técnica e, claro, o modo com que conduzia suas entrevistas, com a proximidade das cadeiras e a distância da câmera. Nader entende isso e, praticando o mesmo método de seu objeto de estudo, se faz ouvir. E Coutinho fala.

    O mestre dos documentários fala sobre seu processo de trabalho, suas escolhas, de sua maneira de ver o entrevistado, da importância do documentário em sua vida. Por sua vez, Nader utiliza cenas dos filmes de Coutinho para desenvolver a entrevista, como realizado em Hércules 56, de Silvio Da-Rin, o que acaba estimulando a memória do entrevistado a discorrer sobre a composição fílmica de tal cena e o que ela representa atualmente. O que nos leva a uma memória de Coutinho sobre uma cena especifica de Peões, de 2004, na qual o diretor se vale de 23 segundos de silêncio durante uma entrevista com um trabalhador, onde o inaudito é tão ou mais forte do que aquilo que foi dito. Coutinho deixa claro que entende o sofrimento que o “peão” sentia naquele momento de completo silêncio, mas que queria saber se ele conseguiria achar uma saída daquela situação. A saida do entrevistado é questionar o entrevistador da seguinte forma: “o senhor já foi peão?”. A resposta não seria outra: “Não”. Dizia Walter Benjamin que “os indivíduos silenciam-se diante de experiências desmoralizantes”, – pensador marxista bastante citado por Coutinho ao longo do documentário.

    Eduardo Coutinho, 7 de Outubro é filmado quase que integralmente em fundo preto e a figura do cineasta, sempre acompanhado dos cigarros e seu mal-humor otimista. Impossível não relembrar de uma das frases de um de seus entrevistados, “a vida é dolorida, mas foi boa”, no filme Canções. A vida é o banal que Coutinho tanto reverenciava em seus filmes. Vida são os choros e soluços de sua entrevista atrás da cortina, também em Canções. Algo que o cineasta sempre soube muito bem manipular e nos indagar se aquilo era cinema, mas que o próprio Nader nos responde: “Isto é vida, não é cinema”.

    Teremos que continuar sem Coutinho. Ainda bem que ficaram seus filmes.

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  • Crítica | Homem Comum

    Crítica | Homem Comum

    Homem Comum 1

    Baseado em uma proposta que se modificou com o tempo, Homem Comum era para ser um documentário de Carlos Nader sobre o sentido da vida iniciado nos anos 1990, quando o diretor visitou homens simples, caminhoneiros, e faria junto a eles algumas perguntas filosóficas a respeito da inevitabilidade da morte, fruto de uma obsessão que o realizador tinha em relação ao filme A Palavra (ou Ordet), do cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer.

    Nader inseriu pedaços inteiros do filme dos anos 1950, resumindo-o e contando grande partes de seus segredos e mostrando-o como objeto de análise de seu documentário. A mudança no projeto de longa-metragem se deu logo no início, com uma troca de caráter completa, ocasionada pela paixão que Nader teve pela trajetória de Nilson de Paula, um caminhoneiro paranaense, que tinha em sua base familiar o maior motivo de seguir vivendo, como era comum para milhares de brasileiros.

    A intimidade do homem passa a discutir as perguntas planejadas primariamente, simplificando as questões. Simultaneamente há um agravamento do questionário, já que a rotina de Nilson e dos seus passa longe de ser fácil de lidar, com dramas familiares que se avolumam, refletindo a condição de perdas contínuas, inexoráveis na vivência humana.

    A necessidade do diretor em injetar metafísica era comum na época, e segue viva nos idos dos anos 2000, ainda que este aspecto esteja mais velado na década atual. A narração de Nader, que deveria elucidar as questões difíceis, acaba por tornar óbvias as demandas levantadas, sem permitir ao público que haja alguma conclusão que não seja dada pelo próprio realizador. O aspecto, que deveria ser negativo, acaba sendo uma surpresa positiva, já que fomenta uma questão fundamental da vida, que é o incômodo com algumas situações cotidianas, que fazem eco na difícil relação de Nilson com sua filha, sendo esta um dos poucos resquícios de sua vida anterior, daquela outra praxe do primeiro ato.

    Nilson tem certezas que só a simplicidade é capaz de garantir ao homem, e a escolha por levar todo o script para esta vertente é um acerto em cheio do cineasta. O filme invade a vida e a vida se passa na frente da câmera, de modo literal, em um comentário mais metalinguístico do que qualquer pretensão alternativa e arrogante da premissa original. Homem Comum consegue de modo comovente flagrar a sensibilidade do cotidiano e a dificuldade que o sujeito médio tem em equilibrar suas próprias emoções, sensações e sua existência, sem grandes mensagens de aprendizado e sem apelar para fórmulas fáceis.