Review | Agente Carter – 1ª Temporada
Com início em uma cena emblemática de Capitão América: O Primeiro Vingador, é bastante curioso o caráter de independência da figura feminina relativa ao homem, vista no decorrer da pequena duração de Agente Carter. Protagonizada por Hailey Atwell, a mesma atriz que a interpretou em sua versão de 2010, Peggy Carter tem suas desventuras mostradas em 1946, uma época que exalar feminilidade era algo bastante proibitivo, ainda mais em meio aos cargos relevantes de agentes governamentais.
A temporada, dirigida por Christopher Markus e Stephen McFeely, toca em assuntos chave ligados à paranoia comum ao país americano pós Segunda Guerra Mundial, fazendo até de Howard Stark (Dominic Cooper) um suspeito de traição ao seu país, demonstrando o choque de épocas, uma vez que nos anos 2000 seu filho, de persona bastante semelhante, é ovacionado ao invés de perseguido. No entanto, o anacronismo é um aspecto positivo dos roteiros, e não uma muleta, já que em todo momento usa-se o texto dos episódios para aludir a ainda flagrante não democratização dos direitos das minorias.
A personagem segue forte, com atitude agressiva em relação ao abuso masculino de poder comum a sua contemporaneidade, e sua figura ultrapassa a barreira de ser somente uma bela mulher tentando habitar um mundo onde os poderosos só a veem e a outras moças de maneira sexual, como possibilidade de maternidade ou cuidadora da casa. Atwell consegue trazer uma inspirada apresentação, pontual e bastante diferenciada, da figura de sexy simbol normalmente associada a sua filmografia. O uso dos dotes físicos é recorrente, mas está longe de ser a única arma da agente da lei.
O formato do programa é curto, de apenas 8 episódios, e, em comparação com outras dramas de época, o ritmo é bastante acelerado. O dinamismo do seriado é maior do que os outros produtos do Marvel Studios, em especial de Agentes da S.H.I.E.L.D. e superior também à parceria com a Netflix em Demolidor.
Talvez a maior reclamação em relação a qualidade de Agente Carter seja a demora para desenrolar seu plot, já que se explora a dificuldade do embrião da S.H.I.E.L.D. em se verificar informações de guerra e mantê-las em sigilo. Os personagens periféricos fazem abrilhantar um bocado o modo de operar de Carter, também por contar com quase todo o operacional masculino. Ao seu lado, há Edwin Jarvis (James D’Arcy), encarregado de representar Stark quando ele não está presente, e por parte dos mandatários os destaques são seu chefe Roger Dooley (do excelente Shea Whigham) e Jack Thompson (Chad Michael Murray), braço direito do chefe de operações.
É neste contexto que todo o esforço de Peggy é tratado com enorme desprezo por parte de seus colegas, basicamente por ser proibitivo para qualquer pessoa do sexo feminino ser ativa ou pensar por si mesma. Aos poucos, a invisibilidade da mulher dá lugar a ações em que até seus dirigentes percebem a superioridade da protagonista em relação aos demais, em especial por sua ação em campo.
Personagens conhecidos do público são utilizados esporadicamente, como Dum Dum Dugan (Neal McDonough), resgatado do primeiro filme do Capitão América, acompanhando as desventuras da personagem. Além de dar voz a uma personagem, a temporada trata de desconstruir a dependência que Peggy tem da figura heroica de Steve Rogers, em especial após todo o estratagema que vitima alguns dos seus superiores. Toda uma conspiração é mostrada envolvendo o núcleo de personagens principais, resgatando Stark, Carter, Jarvis e Thompson, tratando a espionagem de modo bem mais maduro do que a maioria dos produtos da Marvel Studios, fugindo do maniqueísmo de considerar os soviéticos como única fonte de mal daquele tempo.
Os oito episódios do primeiro ano têm um ritmo que se perde em alguns momentos, mas que se compensa pelo roteiro redondo apresentado que valoriza a figura de sua heroína, sem transformá-la na perfeição paladínica que normalmente é apresentada em sua persona nos quadrinhos. O cliffhanger no derradeiro capítulo deixa expectativas para mais tramas que levariam em conta a feminilidade da personagem, aproximando esta figuras mais conhecidas ao grupo de vilões da Marvel, o que faz com que a espera por mais eventos aumente grandiosamente.
A conclusão final de Agente Carter se reproduz em uma de suas últimas falas, ao ver outrem recebendo os louros por seus esforços, resumindo que sua missão não buscava adulação e nem reconhecimento dos homens, já que seu ideal é atender somente aos seus próprios desejos. Tudo isso sem necessitar da aprovação nem do país que a aceitou e nem dos ignorantes que mandam no sistema de inteligência dos Estados Unidos, mostrando mais uma vez a força e independência da personagem.