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  • Crítica | Vidas ao Vento

    Crítica | Vidas ao Vento

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    Vamos falar de amor? Pelo menos no que se difere da paixão, no limite das concepções deste mundo. Sim, l’amour, o componente imprescindível ao artista, homem de lata sem o dito, perturbado por natureza a quem, de fato, a paixão nunca engana por rimar sim com emoção, e não com a evolução para se tornar um sentimento mais que razoável: Invencível. A sede pelo fazer artístico e os desafios imediatos do mesmo. É uma questão de amor, nua e crua, pois quem não o carrega não suporta a produção de um filme por mais de duas horas; tempo suficiente à curiosidade (paixão) evaporar. Cinema não é sexo, é fazer amor sem preservativo, e das crias de Hayao Miyazaki, Vidas ao Vento não poderia faltar nos porta-retratos da estante do avô. “Eu esqueci como é o arco-íris”, desabafa um dos personagens, persona de Santos Dumont e Yasujiro Ozu (que o leitor interessado entenda o porquê da comparação), casado com sua ambição profissional pelo voo; fiel a enfrentar e interpretar as tempestades da vida, eterna criança com seus aviões de papel por aí. L’amour.

    Ar é liberdade, elemento que forja e depois liberta a alma mais densa da expressão humana, contra a derrota face ao terrível solo. É astuto manter, além de um dos pés no chão, as asas bem abertas a tecer a aquarela de Toquinho feito simbolismo que é, aqui, pincelado em extrema graciosidade em grado 2D, minucioso e rico como o ponto de assimilação entre duas cores do mesmo prisma. Cada avião contém uma tonalidade num mundo paralelo ao século XX, numa das versões ficcionais e líricas mais bem sucedidas da brutal realidade bélica entre as décadas de 1940 e 1950 no gênero de animação, se assim deve ser apontado, justamente por não fugir da atmosfera imprevisível que tomou o planeta de assalto, e inserir neste cenário uma perspectiva não apologética, pro bem e pro mal, no contexto da guerra, em especial. A guerra é de um ser humano consigo mesmo, o que não deixa de ser corrente em qualquer confronto solitário.

    As cores agitam a saliva – atiçam nossas digitais e o que habita a sagacidade do toque; dos matizes, os gostos – do peculiar, os signos e as digitais graças ao traço inconfundível das produções de um ilusionista pertencente à classe dos que servem à preservação do valor de velhos truques, mas também com a importância latente do fator visionário e o bem-estar do Cinema à frente de qualquer legado, exceto o que pode vir a ser construído nos avanços do presente e na honraria de um pretérito oxigenado; é preciso de uma história a se contar.

    Vidas ao Vento é a assembleia pública e o manifesto social de um artista solitário em seu ponto de vista único, e que trabalha em grupo, para com um público global mais e mais deficiente de honestidade cinematográfica, e uma brisa, em meio à aridez da maioria das obras pós-modernas, é bom ressaltar: Miragens, inofensivas como um sopro. Não é este o caso de Miyazaki.

    O relógio bate em duas horas ao passo do criador de Meu AmigoTotoro (1988) e A Viagem de Chihiro (2001) bater o martelo na concepção sensorial proposta, de leves furos de roteiros e digressões de consciência dramática, quase imperceptíveis quando o foco aponta no modo de narração da trama e levanta voos mais altos tanto na elaboração referencial a alguns expoentes de sua própria filmografia, desde o must-see obrigatório e três vezes decenário Nausicaä do Vale do Vento (1984), até na certeza irreversível, a partir de um ponto da carreira, de haver sim um sentido não mais oculto para que aviões de papel não sejam mais o bastante. Não mais.

    Ao infinito e além, é claro, porém, ainda a respeito do passado e suas implicações estáveis, Miyazaki é o único diretor de animação vivo que, agora, com a desculpa de usar um viés leve, humanitário e poético nas invenções da 2° Guerra Mundial, junto das próprias em forma de personagens que não existem sem suas invenções, revive e mantém, de forma que nenhum estúdio de animação francês ou americano consegue, o conceito atemporal da “moral da história”, aquela dos idos de Walt Disney e outros contadores de arranjos, de outras mídias e olimpos, como se o cineasta e seu lendário estúdio Ghibli ordenassem uma reverência ao que já foi conjurado até aqui. Talvez porque a paixão do vovô pelos seus netos já tenha virado amor há muito. Não há mais volta, aliás.

  • Crítica | Rurouni Kenshin: O Filme

    Crítica | Rurouni Kenshin: O Filme

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    Adaptações são um perigo. Nos últimos anos pudemos presenciar vários projetos para cinema que foram trazidos a nós como adaptações de livros e histórias em quadrinhos. Alguns foram grandes acertos e outros fracassos completos. Quando foi anunciado que um filme em live action de Rurouni Kenshin (mais conhecido no Brasil como Samurai X), mangá criado por Nobuhiro Watsuki, estava sendo produzidos e dirigido por Keishi Ohtomo, os sentimentos se dividiram. O meu particularmente esperou pelo pior, porém fui surpreendido.

    Rurouni Kenshin é ambientado em um Japão após a vinda da Era Meiji e conta a história de Kenshin Himura, um samurai que vaga pelo Japão ajudando pessoas e, ao mesmo tempo, tentando lidar com os fantasmas de seu passado, em que era um famoso e temido retalhador conhecido como Battousai.

    Este filme, especificamente, abarca os dois primeiros arcos do mangá/anime, que seria Kenshin tendo que enfrentar o excêntrico traficante de ópio Kanryuu Takeda e o assassino Jin-E, com algumas modificações. Esse é o primeiro ponto que vale a pena ressaltar do filme: como toda adaptação que se preze, uma série de mudanças na forma como se constrói a narrativa é realizada. A dificuldade de ultrapassar a barreira da adaptação foi vencida perfeitamente pelo roteirista Kiyomi Fujii, o qual produziu um roteiro coerente e crível, mesclando dois arcos que englobam uma quantidade considerável de plots em um único filme e excluindo momentos superficiais da história original. Todos os elementos principais e importantes estão lá.

    A escolha dos atores foi outro acerto. Takeru Sato interpretou perfeitamente Kenshin Himura. Desde o lado calmo e sereno de Kenshin, quanto a raiva incontrolável de Battousai (a dualidade do personagem) foram inseridas de maneira muito satisfatória em sua atuação. Munetaka Aoki interpretando Sanosuke Sagara não fez feio também. Seu personagem em diversas cenas rouba a atenção por seu modo de agir, que acaba provocando vários momentos cômicos. O elenco no geral foi muito bem escalado, respeitando fielmente as características físicas dos personagens na história em quadrinhos.

    A fotografia e as ambientações foram um diferencial que elevou ainda mais a boa execução do filme. Somos levados a um antigo Japão feudal meticulosamente reconstruído. O tom amarelado nas cenas comuns ajudam a contribuir com a beleza do filme, assim como as cenas em tom azulado e cinza conseguem mesclar bem com a atmosfera de terror e violência nas cenas em que Kenshin incorpora o retalhador que tanto almeja deixar para trás.

    O pouco uso de CG e efeitos especiais – estes apenas para inserir sangue e conferir efeitos de agilidade em algumas cenas de luta – corrobora o cuidado com que o filme foi desenvolvido. A trilha sonora espetacular e as cenas de luta muito bem coreografadas e empolgantes ajudam mais ainda ao fazer com que Rurouni Kenshin não seja apenas uma excelente adaptação, mas também um excelente filme de samurai, agradando até mesmo quem ainda não é fã de Kenshin, Kaoru, Sanosuke e todos os demais personagens que fazem essa história ser uma das mais cultuadas por todo o mundo.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | 13 Assassinos

    Crítica | 13 Assassinos

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    O ano é 1844. O Japão passa por um período de relativa estabilidade e a maioria dos samurais aposentaram suas espadas. Essa estabilidade começa a ser ameaçada por Lord Naritsugu, irmão do atual Shogun, um nobre sádico que abusa, estupra e mata os mais pobres ao seu bel prazer. Um oficial do shogunato, por revoltar-se com relação às atitudes do tirano, temendo pelo Japão caso ele se tornasse o próximo Shogun, reúne um grupo de samurais para o matarem.

    13 Assassinos é um remake do filme homônimo de 1963 de Eiichi Kudo, trazido à luz em 2010 pelo aclamado Takashi Miike. Seus filmes são conhecidos por sua violência extrema, mas aqui Miike dá atenção para um modelo clássico de filmes de samurai. Ao mesmo tempo em que não abandona a violência gráfica (porém aqui não tão visceral como de costume), dá atenção para planos contemplativos, diálogos ricos e atuações expressivas.

    A narrativa do filme começa com os samurais angariando companheiros para enfrentar o lorde maligno. Samurais de mais experiência e que viveram na época das guerras se juntam com alguns de seus aprendizes para lutar pelo Japão e não pelos seus nobres, por isso acabam se tornando assassinos. A influência de Sete Samurais de Akira Kurosawa é evidente, até mesmo quando um ronin se junta à causa do grupo de samurais, representando o ar descontraído da seriedade e disciplina dos demais companheiros.

    Aqui temos uma divisão bem definida entre o bem e o mal, característica marcante em filmes de samurai. No primeiro ato do filme vemos tortura, assassinato, estupro e mutilação. O espectador está preparado psicologicamente por quem torcer no segundo ato, quando os samurais estão recrutando aliados, e finalmente no terceiro, em que a grande batalha acontece.

    O que vemos é uma cidade inteiramente construída pela produção simplesmente para ser totalmente destruída durante 45 minutos de batalha sem interrupções e coreografadas, se afastando positivamente de efeitos especiais por computação, tão utilizados atualmente. A atuação conjunta de uma dezena de pessoas ao mesmo tempo é simétrica em diversas cenas do filme.

    O pensamento de que 13 assassinos lutando contra 200 homens da guarda real poderia parecer forçado cai por terra nesta produção grandiosa. Takashi Miike consegue fazer com que seu remake seja um dos filmes de samurai mais significativos dos últimos anos e reafirmar sua competência como diretor. Esta é talvez sua obra mais madura.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.