Review | Bron/Broen | The Tunnel
Em Bron/Broen, série escandinava que estreou em 2012, o corpo de uma política conhecida, evidentemente assassinada, é encontrado na ponte (bron, em sueco; broen, em dinamarquês) Øresunds, que liga a Dinamarca à Suécia, exatamente na fronteira entre os dois países. As polícias dos dois países precisam colaborar entre si a fim de esclarecer o ocorrido. Do lado sueco, Saga Norén (Sofia Helin), uma policial super eficiente, mas um zero à esquerda em termos de interação social; do lado dinamarquês, Martin Rohde (Kim Bodnia). O que inicialmente parecia apenas uma encenação teatral e exibicionista, acaba se revelando algo muito mais amplo, já que esse crime é apenas o primeiro de uma série que o criminoso irá utilizar para alertar a sociedade sobre as mazelas que a atingem – preconceito, miséria, tratamento de doentes mentais, impunidade, trabalho infantil.
O sucesso de público foi tamanho que logo “gerou” uma versão anglo-francesa – The Tunnel, produção conjunta do Canal + e Sky Atlantic – em que o corpo é encontrado no túnel da Mancha, exatamente na fronteira entre França e Inglaterra. A investigadora francesa é Elise Wasserman (Clémence Poésy) e o investigador inglês é Karl Roebuck (Stephen Dillane, o Stannis de Game of thrones).
Diferente de outras séries com duplas de policiais, esta não é procedural. Tem, sim, um arco dramático que abarca toda a temporada, o que talvez não agrade muito a alguns espectadores. Contudo, é um formato ótimo para aqueles que curtem fazer “maratonas” de séries. Com dez episódios por temporada – a segunda já foi lançada e a terceira está programada para 2015 -, não perde tempo com tramas secundárias desnecessárias, nem “fillers” – em bom português, episódios de encheção de linguiça. Mesmo que por volta do oitavo episódio a trama perca um pouco sua força, ao ser revelada a real motivação do criminoso, e mesmo com o final revisitando Seven, o roteiro é bem amarrado e bastante envolvente.
Aliás, a forma como a trama é estruturada é bem interessante. Ao mesmo tempo em que o espectador acompanha a dupla na investigação, outros personagens são apresentados. Parecem estar desconectados da história, mas dois ou três episódios adiante, os fios são unidos e o novo núcleo de personagens é integrado à trama. Parte da diversão do espectador, além de bancar o detetive, é tentar descobrir onde esses personagens se encaixam.
Nas duas versões, a dinâmica entre a dupla de policiais funciona muito, muito bem. É quase padrão que a maioria dos filmes e séries, em que há uma dupla de personagens interagindo, faça uso de personagens com características diferentes, mas que acabam se complementando. Neste caso, são extremos opostos em praticamente tudo, tendo em comum apenas o fato de serem ótimos policiais.
Enquanto ela beira o autismo no que diz respeito a relações interpessoais, e incapaz até mesmo de cometer aquelas pequenas “mentiras sociais” que facilitam o convívio – é até possível que ela tenha síndrome de Asperger, apesar de nada ser comentado nesse sentido; ele, em contrapartida, é extremamente sociável, um apaziguador nato, tanto no trabalho quanto em casa. Ela mora sozinha, num condomínio urbano, em apartamento pequeno totalmente impessoal, e come qualquer coisa que se possa aquecer no micro-ondas; ele tem cinco filhos, mora com a esposa atual e quatro deles numa casa ampla afastada do centro, e cozinhar em família faz parte da rotina. Essa disparidade garante ótimos diálogos e algumas situações hilárias – como quando a esposa de Martin/Karl convida Saga/Elise para jantar.
Outro destaque, tanto na original quanto na versão anglo-francesa, é a direção de arte e a de fotografia. Tem-se a impressão de que todos os enquadramentos foram cuidadosamente estudados. Há vários tomadas dignas de ser emolduradas, tamanha a qualidade estética. Junte-se a isso uma trilha sonora pouco intrusiva, sutil, muito bem encaixada nas cenas.
A versão anglo-francesa fez algumas pequenas alterações no roteiro, que não modificaram o plano geral da trama. Cerca de 90% delas foram melhorias, que adicionaram dinamismo à trama, um pouco mais de tensão em alguns momentos, motivações mais coerentes para as atitudes de alguns personagens, amarrando melhor os fios entre eles. Um dos ajustes bem-vindos foi na direção dos atores. As duas duplas de atores têm performances de qualidade, dando consistência e veracidade aos personagens. No entanto, a Elise de Clémence Poésy consegue gerar mais empatia com o espectador que a Saga de Sofia Helin. O comportamento de Saga parece muito mais robótico, dando a impressão de que ela não passa de uma pessoa fria e arrogante por se considerar – e ser – mais inteligente que os demais. Enquanto Elise, mesmo sendo tão distante e sem traquejo social quanto Saga, passa a impressão de ser assim simplesmente por nunca ter dado importância a isso a ponto de procurar ser diferente. É mais fácil gostar dela e se importar com seu destino do que com a policial sueca.
Além da versão anglo-francesa, há também uma norte-americana, The Bridge, já com a segunda temporada confirmada, com Diane Kruger (de Bastardos Inglórios) e o ator mexicano Demian Bichir.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.