Crítica | Dois Papas
Podemos dizer que a quase década que perdurou do ano de 2005 até 2013 foi bastante agitada para a Igreja Católica. Com o falecimento de Karol Wojtyla, mais conhecido como João Paulo II, um dos maiores papas da história, deu-se início ao conclave, que consistia na busca por um novo papa. O conclave é como se fosse uma eleição, porém, ultrassecreta, onde os cardeais se reúnem para eleger um novo líder de Roma, do Vaticano e consequentemente, da Igreja Católica. João Paulo II foi um papa extremamente carismático, sendo que morte e a consequente escolha de um novo pontífice foram recebidas pelo mundo com muita tristeza e ansiedade. Foi então que após quatro fumaças pretas, os cardeais escolheram o alemão Joseph Ratzinger como novo papa, que adotou o nome de Bento XVI. O papado de Bento XVI foi muito difícil. Logo no início, as acusações de que ele havia sido um soldado durante o regime de Adolf Hitler começaram a pipocar pelo globo. Mas, obviamente, a mensagem compartilhada por milhares de pessoas eram recheadas de maldade e principalmente falta de um mínimo de conhecimento, além disso, o Vaticano foi exposto a uma série de sérios escândalos que envolviam corrupção e pedofilia, o chamado Vatileaks, onde o secretário do próprio papa vazou as informações. É quase certo que os escândalos foram responsáveis pela renúncia de Bento XVI em 2013, um fato inédito na Igreja. Assim, um novo conclave foi realizado e o argentino Jorge Bergoglio que passou a adotar o nome de Francisco, foi eleito o novo papa.
Dois Papas busca retratar exatamente esse período tão turbulento tratado como um claro pano de fundo, focando, mais precisamente, na relação entre Bento XVI e Francisco (ainda como cardeal Jorge Bergoglio), dois seres extremamente cultos, estudiosos e conhecedores de suas doutrinas, mas com uma única diferença: cada um tinha sua própria maneira de interpretar a Bíblia e os ensinamentos de Jesus Cristo. O que começou com embates intelectuais entre os dois seres, terminou com uma bonita relação de amizade, o que não é escondido de ninguém.
Dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, que tem no currículo filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira, e escrito por Anthony McCarten, que emendou a trinca A Teoria de Tudo, O Destino de Uma Nação e Bohemian Rhapsody, a produção da Netflix é bastante leve, focada principalmente nos diálogos e na humanidade dos dois personagens, ainda que Bento XVI (Anthony Hopkins) seja um pouco mais seco e Bergoglio (Jonathan Pryce) mais bem humorado, piadista e até sarcástico. Apesar de o filme retratar a relação dos dois, fica mais que evidente, que, na verdade, o foco é no argentino, já que podemos observar por meios de flashbacks toda sua trajetória, desde o curioso (e bastante bacana) momento decisivo que fez com que ele decidisse optar por entrar já adulto no seminário, bem como um momento onde muitos enxergam como uma mancha em sua história, durante o período da ditadura militar argentina. Acredita-se que Bergoglio se aliou ao ditador Jorge Rafael Videla, e muitos o culpam pelo sequestro, tortura e morte de algumas pessoas. Obviamente, esse trecho da fita retrata o ponto de vista do futuro pontífice sobre o fato. Falando em fatos, o filme é baseado em fatos reais. Portanto, nem tudo que vimos em tela pode ter realmente acontecido. Obviamente, a simplicidade do cardeal é algo muito bem retratado, já que ele compra suas passagens com o próprio dinheiro, não aceita que carreguem sua bagagem, além de usar uma pasta e um par de sapatos velhos.
A direção de Meirelles é característica. Com seu braço direito, o diretor de fotografia César Charlone, a dupla usa e abusa de técnicas que hoje são suas marcas registradas: muita câmera na mão e o chamado ângulo holandês, onde a câmera é levemente inclinada deixando a imagem “torta”. Mas o destaque fica por conta da interpretação da dupla de protagonistas. Anthony Hopkins é um estudante metódico do texto. Segundo Meirelles, o ator pediu que o roteiro fosse entregue cerca de cinco meses antes do início das filmagens e pediu que o texto não fosse alterado, o que é muito difícil. Já Jonathan Pryce, buscou observar mais o jeito de Bergoglio, estudando seu jeito de falar, seus movimentos, como gestos, postura, modo de andar e o resultado disso tudo é uma aula de interpretação dos dois atores que são mundialmente respeitados.
Como dito, Dois Papas é um filme bem leve e bastante equilibrado no quesito drama/humor e traz uma trilha sonora bastante ousada, porém, diferente do que se espera de um filme dessa natureza. Obrigatório para os católicos, o filme também agradará os amantes de bastidores, já que procura mostrar aquilo que, de certa forma, não chega sempre ao conhecimento do grande público. Ainda que seja uma obra de ficção baseada em fatos reais, é algo que vale a pena.
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Texto de autoria de David Matheus Nunes.
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