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  • Resenha | A Mente Suja de Robert Crumb

    Resenha | A Mente Suja de Robert Crumb

    A Mente Suja de Robert Crumb - capa

    Robert Crumb, que completou 70 anos em 2013, é dono de uma carreira prolífica (e maldita), tornando-se um dos grandes quadrinistas vivos que continuam na ativa há aproximadamente 50 anos. Para comemorar o aniversário do cartunista, a editora Veneta compilou vários de seus trabalhos no álbum de luxo A Mente Suja de Robert Crumb, publicado em 2013.

    O autor foi um dos grandes nomes da contracultura norte-americana durante a década de 60, tendo trabalhos memoráveis publicados na revista Zap Comix, na qual se destacou pelos seus trabalhos sobre sexo, violência, drogas e outros temas sociais e morais. Graças a esses trabalhos de aspecto combativo frente à censura e à repressão existente nos Estados Unidos da época, Crumb se tornou um ícone do movimento de contracultura, sendo influência e referência — não só em questões criativas ou artísticas, como também em relação à atitude para uma série de outros artistas internacionais e também nacionais, como Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco e tantos outros.

    Ora, essas influências não vieram senão por mérito exclusivo do próprio Crumb ao renegar um status quo vigente para colocar no papel todas as suas perversões e fantasias sexuais em personagens como Fritz, The Cat; Snoid; Mr. Natural; Horny Harriet Hotpants; Johnny Fuckerfaster e outros, expondo de forma escandalosa personagens provocativos e rompendo qualquer aspecto moralista ou conservador.

    O álbum reúne o “melhor do pior”, já que, ao ler a publicação da Veneta, inevitavelmente você ficará chocado, constrangido ou abalado em algum momento, o que deixa claro que ainda vivemos sob um moralismo bastante pungente, tal qual àquele do American Way of Life. A rebeldia do autor quebrou barreiras e pressões sociais e políticas, pois ele colocou o dedo na ferida ao mostrar toda a hipocrisia da sociedade, e tudo isso está presente neste álbum.

    Contando com histórias como As Aventuras do Nariz-de-Pica, sobre um rapaz que é perseguido por mulheres devido ao seu membro nasal; Joe Blow, que conta a história sobre uma família norte-americana que pratica o incesto com intenção de melhor educar sexualmente seus filhos; Folias Anais, sobre um personagem que vive dentro de uma bunda; Rebolado Africano conta com a personagem Josephine, uma taxista que carrega seus passageiros em sua nádega, mas que decide participar de um concurso que elegerá a melhor bunda da América; entre outros conceitos “doentios”.

    A importância de Robert Crumb para os quadrinhos e à arte em geral é tremenda. Enquanto as histórias em quadrinhos caminhavam rumo a discursos moralistas e cada vez mais infantis, o artista rompeu tudo isso e pegou o caminho contrário, explorando temas proibitivos na época em que a paranoia macartista ainda era bastante presente e num momento em que a Comics Code Authority ainda vigorava como forma de autocensura de boa parte das editoras da época.

    A Mente Suja de Robert Crumb deve ser lido e analisado conforme o contexto de publicação de cada uma dessas tiras. Do contrário, cairemos no erro grotesco de avaliar o álbum como apenas uma grande sucessão de piadas sobre o comportamento neurótico do autor que envolve misoginia, piadas bizarras e muito fetiche, o que de fato não é só isso. Crumb vem de uma época em que a sociedade inteira condenava os quadrinhos, muito graças às declarações de Fredric Wertham em seu livro A Sedução dos Inocentes, no qual declarava abertamente que os quadrinhos levavam os jovens para o caminho da violência e da lascívia. Posteriormente, as próprias editoras se autocensuravam com a criação do Comics Code, por “sugestão” do próprio congresso norte-americano. Se isso não fosse o bastante, a sociedade vivia um período extremamente moralista e conservador. Esse cenário foi fundamental para Crumb ser quem é e publicar o que publicou. Seu rompimento com essas visões de mundo era necessário, fazia parte das neuroses do cartunista e também de seu discurso transgressor e anti-establishment.

    A editora Veneta tem se consolidado como uma das melhores editoras de quadrinhos ao publicar materiais de alta qualidade e com ótimo acabamento. O álbum conta ainda com um prefácio genial de Rogério de Campos, editor da Veneta. A Mente Suja de Robert Crumb é uma das grandes publicações de 2013, além de ser leitura fundamental de um dos autores mais transgressores dos quadrinhos.

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  • Resenha | Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço

    Resenha | Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço

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    Ser surpreendido nos dias de hoje com uma história é tarefa para poucos artistas, ainda mais se a história em questão abordar a temática zumbis, assunto pra lá de manjado nos últimos tempos, sendo abordado em filmes, livros, séries, desenhos animados, sex shops – os necrófilos piram – e por aí vai.

    O fato é que Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço, HQ do paraibano Juscelino Neco, é um bom exemplo de história que consegue surpreender o leitor, não por proporcionar epifanias envolvendo teorias existenciais sobre a vida, o universo e tudo mais ou coisa que valha, mas justamente por conseguir cumprir aquilo que se propõe: ser uma história simples, mostrando que é possível unir humor e violência em um texto inteligente e dinâmico.

    Na trama, conhecemos Dolfilander (o pai do sujeito era um fã do Dolph Lundgren, mas ao registrar saiu isso aí), um fanático por cultura pop, viciado em videogames e conhecido por seus problemas para encarar a vida adulta. Tudo muda quando o rapaz, em uma tarde qualquer no almoxarifado do seu trabalho, decide utilizar parafusos na máquina de pregos. O resultado não é dos mais satisfatórios, e Dolfi fica com um parafuso alojado na testa sem poder retirá-lo, sob o risco de se tornar um vegetal.

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    A vida de Dolfi segue numa descendente repleta de álcool e pornôs japoneses, até que um dia uma experiência traumática muda sua vida. Após uma noite de sexo com uma gata, nosso herói acorda numa banheira com gelo, e após verificar que seu rim não havia sido roubado, Dolfi descobre que foi usado por um híbrido de mulher e aranha que havia usado o seu corpo para depositar os ovos para serem concebidos por ele. Para remediar a situação, Dolfi passa por uma série de operações cirúrgicas que o transformam em um super-humano capaz de partir crânios com as mãos e comer impressionantes 30 hambúrgueres em menos de uma hora. Fritas incluso, como bem expresso na sinopse da HQ.

    Como dito anteriormente, o trabalho de Juscelino Neco é bastante competente, seu texto é ágil e direto, seus diálogos são sarcásticos e sempre bem humorados. Outro ponto a se observar são as inúmeras referências existentes na obra, desde Tom Savini, Tarantino, Alien, A Experiência e tantas outras. Se isso não bastasse, o traço do autor é simples e objetivo, com o dinamismo certo para o que o roteiro pede.

    Depois de acertar em cheio com a publicação de A Arte de Voar, a editora Veneta acerta mais uma vez com Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço.

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  • Resenha | Stieg Larsson: Antes de Millenium

    Resenha | Stieg Larsson: Antes de Millenium

    Stieg Larsson – Antes de Millenium é uma história em quadrinho, ou Graphic Novel se você é fresco, biográfica sobre o autor sueco da famosa trilogia Millenium. Foi concebida por Guillaume Lebeau e Frédéric Rébéna, escrita pelo primeiro e desenhada pelo segundo.

    Sinopse: as três fases mais marcantes da vida de Stieg Larsson são mostradas na história, a primeira se passa nas florestas suecas enquanto o jovem autor vivia com seus avós paternos, depois o vemos no meio da guerra civil da Eritréia no final dos anos 70, e por último, na Suécia no meio dos anos 90 quando a sua revista anti-fascista Expo é fundada, e um epílogo para 2004, meses antes do autor morrer.

    De forma biográfica, a história parte da premissa questionável de que o autor da trilogia Millenium teve uma vida tão fascinante quanto a dos livros que criou. De fato a sua trajetória pessoal foi curiosa e turbulenta, mas partir do pressuposto de que Stieg Larsson como personagem é tão interessante quanto a enigmática Lisbeth Salander ou o marcante Mikael Blomkvist é de uma insensatez tamanha. Apesar de dignos de nota, os episódios marcantes da vida do autor não se comparam com as aventuras policiais vividas pelo casal de protagonista da trilogia de livros.

    A vida de Larsson pode perfeitamente ser retratada em no máximo 4 ou 5 parágrafos no fim de cada um dos livros, mas a princípio não se justificaria a elaboração de uma HQ para retratá-los. Mesmo pensado em atingir os fãs da série, ele pode vir a acabar decepcionando quem espera o mesmo clima policial. Em suma, o material apresentado nesta obra seria muito mais interessante e rico se fosse a quadrinização de um dos livros, um prequel, ou até histórias extras dentro do seu universo expandido. Aliás, parte do título “Antes de Millenium” e a capa de uma pessoa idêntica à Lisbeth Salander soa enganador para quem acha que se trata de um prequel dos livros.

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    A história de vida do autor mostra como aos poucos o universo da trilogia Millenium foi sendo construído: uma fotógrafa da Expo que se parece muito com Lisbeth, a própria revista fundada por Larsson, Mikael é um amigo jornalista que trabalha na mesma revista, além, é claro, dos neo-nazistas e grupos fascistas figurando na Suécia nos anos 80, 90 e anos 2000. O mais interessante da trama, no entanto, é a metáfora da raposa. No início da história, Stieg e seu avô estão caçando o animal por ter feito estragos. Ela se assemelha a um inimigo que o autor tomou como pessoal: as ideias fascistas. Inclusive a parte mais interessante se dá no que parece ser a página 09, já que as páginas não são numeradas, quando uma piada com o animal se realiza pela avó do jovem Stieg.

    A arte curiosa de Frédéric Rébéna soa como um rascunho, um esboço ainda a ser arte-finalizado. Isso dá um caráter curioso para a obra, pois mostra como a vida de Stieg Larsson não foi totalmente completa, já que o autor não se casou com a sua companheira por temer ser encontrado por grupos fascistas e morreu meses antes dos livros serem publicados e de obter o merecido reconhecimento e sucesso mundial.

    A edição da Veneta poderia ter numerado as páginas, além de melhorar o papel, que soa simplório. A capa com a moça que se parece com a Lisbeth, apesar de interessante, soa de fato enganador para quem procura algo dentro do universo dos livros. Nesse sentido, outra capa com o desenho de Stieg Larsson seria mais honesta. A editora também colocou informações curiosas sobre Larsson nos extras, que poderiam inclusive ter entrado no material original, mas, obviamente isso recai sobre os autores da HQ. Apesar de enriquecer a obra, ao mesmo tempo reforça o que eu disse ali em cima: a vida de Stieg Larsson foi interessante, mas não a ponto de realizar uma história em quadrinho de mais de 60 páginas.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Resenha | A Arte de Voar

    Resenha | A Arte de Voar

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    Como se destacar no meio de tantas editoras? Basicamente, trabalhando duro, publicando materiais de qualidade, e claro, um pouco de sorte. Um bom exemplo disso é a independente Veneta, editora fundada em 2012 por Rogério de Campos, ex-editor da Conrad, e que pouco a pouco tem mostrado seu potencial e alcançado seu lugar ao sol.

    Rogério de Campos, que não é bobo, deve ter escolhido a dedo o primeiro lançamento de sua editora, e verdade seja dita, escolheu muitíssimo bem. A Arte de Voar, de Antonio Altarriba e Kim, é um belo início e denota a visão apurada da editora nessa escolha de publicação.

    A Arte de Voar se dá início em um 4 de maio de 2001, na Espanha, onde acompanhamos um homem de 90 anos, pai do autor desta HQ, perto do fim de sua vida, com graves problemas renais, – o que o impossibilitava de calçar seus próprios calçados – e definhando de uma depressão absoluta por um passado que o assombra, tentando desesperadamente subir ao quarto andar de um asilo onde estava internado já há alguns dias, para de lá se jogar e assim dar fim ao pouco que ainda resta de sua vida sofrida.

    O que motiva o ser humano a se suicidar, colocar um fim em sua existência, mesmo que repleta de desilusões e pouco tempo de vida pela frente. Quais são as razões para gestos humanos tão radicais como o suicídio acontecer? Devemos julgar tais atitudes? São essas apenas algumas das perguntas que o autor nos questiona ao longo da obra.

    Alguns dias após o suicídio de seu pai, uma das poucas lembranças que recebeu foi uma conta de 34 euros do asilo onde seu pai estava internado antes de morrer. Sem ao menos respeitar o seu luto, a dívida já estava sendo cobrada. Coisas da vida moderna. Altarriba não aceitou e devolveu a conta à casa de repouso, pedindo ao menos que respeitassem alguns dias do seu luto. Bobagem. A dívida seguiu em frente judicialmente e o autor acabou perdendo o pouco que restava da herança do pai. Motivado pela revolta, Altarriba decidiu expurgá-la escrevendo sobre seu pai.

    Assim, a trama retorna à Espanha do século XX e o autor passa a contar como a história do seu pai está intimamente ligada aos movimentos sociais que ocorreram na Europa, narrando o período da Guerra Civil Espanhola, de 1936 à 1939, que dividiu o país, partindo na sequência para a Segunda Guerra Mundial. Ambos conflitos tem um importante peso na formação do protagonista, desde seu envolvimento com os movimentos anarquistas na Guerra Civil Espanhola, como também na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra.

    A segunda metade da HQ reforça a ideia das desilusões do protagonista. Com o fim da guerra, Altarriba continua sem esperança e descrente do que será o seu futuro, já que não encontra emprego e vê como única solução utilizar de meios ilícitos para sobreviver. A história se desenvolve com a derrocada das crenças do protagonista.

    Ao ler A Arte de Voar é impossível não traçar alguns paralelos com Maus. Ambas as histórias se passam durante a Segunda Guerra, os autores são os filhos dos protagonistas de suas histórias, que por sinal, nunca se deram muito bem com eles, mas me parece que a HQ em questão é mais contundente em seu objetivo. A história de Altarriba é por vezes mais densa, não pelo conteúdo em si, mas por se tratar da história daqueles que ninguém tem interesse em saber, dos anônimos, decadentes, e acima de tudo, dos párias da sociedade.

    A HQ toca em temas políticos, e o tom pessimista aumenta a cada página, mesclando momentos históricos com dramas particulares. Os traços de Kim são extremamente detalhistas, mas com uma crueza típica de histórias reais. Extremamente honesta, dura e densa, A Arte de Voar é uma história importante e necessária na formação de qualquer indivíduo. Não deixem de conferir!

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