Resenha | Thor: O Deus do Trovão – O Carniceiro dos Deuses
Iniciando uma nova fase de Thor na era Nova Marvel, ponto de partida desenvolvido para novos leitores após a saga Vingadores VS. X-Men, Thor: O Deus do Trovão foi o título escolhido para a nova revista do deus nórdico com Jason Aaron (Wolverine e os X-Men, Justiceiro MAX) nos roteiros e Esad Ribic (Namor: Nas Profundezas) nos desenhos.
Como a ideia fundamental desta nova editoria é desenvolver uma trama que atraia um novo público, mesmo inserido em um contexto temporal e cronológico da Marvel, a primeira história desta nova fase, O Carniceiro dos Deuses – publicado inicialmente na mensal Homem de Ferro e Thor e posteriormente lançado em encadernado em capa dura – se desenvolve, ao máximo, sem nenhuma amarra do presente, lhe conferindo um ar atemporal e destacando a figura central do herói.
Quando Stan Lee, em 1962, configurou Thor como um personagem, o deus mitológico oriundo de uma tradição nórdica era inserido em um contexto heroico na Marvel. Esta tradição e os dogmas aos quais pertenceu o deus do trovão e das lutas permaneceram como partes narrativas de suas histórias, ainda que muitos roteiristas não souberam utilizar este passado histórico com qualidade, transformando em um deus quase simbólico.
Pautada nesta dimensão divina, a narrativa apresenta três diferentes representações de Thor, cada uma situada em um espaço-temporal específico: passado, presente e futuro. Em comum apresentam um mesmo inimigo, um assassino de deuses. Denominado Carniceiro dos Deuses, a trama traça um paralelo destes três tempos apresentando os encontros de Thor com a entidade.
O roteiro é equilibrado ao focar estes três tempos, alternando com precisão cada momento, ampliando a dramaticidade narrativa. O público é convidado a se perguntar como a batalha prossegue, e se o herói sairá vencedor, se até mesmo em um futuro provável Thor permanece lutando contra o Carniceiro dos Deuses quando, cada vez mais, aparenta fragilidade.
Em um mesmo universo, diversos deuses de religiões distintas se alinham através da figura do Carniceiro, alguém com conhecimento suficiente para matá-los. Ao retomar um grande número de seres divinos, hoje mantidos por nossa história como deuses pagãos ou oriundos de panteões politeístas, a concepção da fé de diversos povos é apresentada. Mostrando um notável panorama de que, mesmo em épocas distintas, os homens exploram a religião, bem como uma entidade superior como forma de criação, divindades e crenças alimentam um círculo de fé universal. Deuses que indistintamente foram vivos e esquecidos, seja pela dizimação de seu povo ou pela morte nas mãos do carniceiro.
Tal conceito de diversos deuses interconectados se assemelha à obra Deuses Americanos de Neil Gaiman, uma homenagem a divindades de diversos tempos alicerçadas na adoração como parte fundamental de sua existência. Aaron desenvolve temática semelhante, mas a explora através de um fiel que, ao não ter sua prece atendida por seu deus, resolve negar qualquer divindade existente e, consequentemente, inicia um plano para matá-los, expurgando a fé da Terra.
A história versa sobre a fé e a ideia de que a receptividade divina nem sempre se destaca a todos, e também como um mesmo ato apresenta interpretações distintas. Afinal, o que o carniceiro considera um ato de traição de seu deus, outros interpretariam como uma prova divina. Intercalando esta simbologia e os encontros com Thor, os deuses cronais estão presentes na trama, pressupondo que o vilão poderia viajar para tempos diversos e, assim, exterminar a existência dos primeiros deuses do universo, expurgando o conceito de deus, além de justificar porque no passado, presente e futuro, Thor estaria em constante batalha com a personagem.
Como se não bastasse uma potente história sobre fé e negação, Thor faz parte fundamental na trajetória do Carniceiro por ser um exemplo de deus adorado e bem quisto pelo povo, uma divindade que não vive em um panteão distanciado de ordem e devoção mas também aquele que convive com seus homens em conjunto, uma encarnação divina na terra que conduz seus homens pela palavra e suas ações nas batalhas. Uma representação que se torna conflitante para um vilão descrente de qualquer benevolência divina.
Aliado ao roteiro primoroso, a arte de Ribic integra a narrativa à perfeição em traços compostos sem lápis, semelhante a pinturas, configurando uma perenidade à história como se ela representasse atemporalmente uma narrativa fabular sobre a fé e seus deuses. Diante de tantas novas edições lançadas na Nova Marvel, equilibradas entre uma nova abordagem de temas conhecidos, a vertente escolhida para esta trama se destaca pela temática, além da boa condução, ainda mais se considerarmos que a publicação foi realizada na linha mensal, e não em um projeto especial. Esse é o motivo que engrandece este belo início: uma narrativa circular que redefine Thor como um deus, ao mesmo tempo em que o articula como grande personagem do estúdio fazendo uma reflexão sobre a necessidade humana de acreditar em seres superiores como símbolos de virtudes máximas e benevolentes. Uma fábula nórdica contemporânea.
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