Resenha | Zagor: Edição Especial em Cores Nº 3
O herói Zagor é o famoso herói italiano que as grandes editoras dos Estados Unidos nunca permitiram que sua penetração de fato acontecesse, e fosse marcante, na América e nos países forte e culturalmente colonizados pela cultura americana, desde os anos 60 até hoje. O guardião da floresta de Darkwood, vulgo “espírito da machadinha”, é personagem clássico dos gibis muito pouco conhecido, em comparação com titãs tipo Batman e Homem-Aranha. Sua origem e principais aventuras que, ironicamente, retratam temas e dilemas americanos da época, vem sendo publicadas no Brasil pela Mythos Editora após décadas de um ostracismo generalizado do personagem a quaisquer fãs de cultura pop, mesmo aqueles que conseguem se livrar do eixo limitado Marvel/DC, e isso não poderia ser uma notícia melhor.
A criação máxima de Guido Nolitta e Gallieno Ferri ganha agora uma série de compilados com as melhores histórias de Zagor e seu fiel escudeiro, o mexicano Chico. A cada volume, temos duas aventuras dessa dupla em um interior americano ainda não industrializado, visto em muitos filmes célebres de John Ford (Nos Tempos da Diligência e Rastros de Ódio são dois ótimos exemplos), nos trágicos tempos em que os militares caçavam índios formalmente, com absoluta cobertura do estado. Em Indian Circus, a primeira história deste Volume 3, vemos um ex-oficial militar raptando peles-vermelhas para expô-los em um circo humano, com base na justificativa que a maioria da população tem medo dos nativos selvagens dos EUA, e por isso, precisam ser mantidos afastados, controlados, de preferência em um zoológico, ou melhor: em um ringue de entretenimento, onde índios e leões são tratados da mesma forma.
É claro que Zagor não pode permitir que esse crime aconteça, e junto do atrapalhado Chico, planejam restituir a liberdade ao povo destituído de seu habitat natural pelo homem branco, sempre predatório conforme nos mostra a colonização dos povos. Nisso, os autores Nolitta e Ferri constroem uma interessante questão moral: os índios raptados para este circo do vilão Rod Mac Carthy, de tão rebaixados e humilhados, acabam concordando com a escravidão que os acomete, como se esta fosse a condição natural que o destino lhes reservou. O que o seu abolicionista deve fazer, num impasse desses? Se em Indian Circus Zagor tenta garantir a alforria a quem não dispõe mais de nenhum poder de reação quanto a seus algozes, em Missão Trágica ele precisará assegurar provas que o livrem de uma grave denúncia: ter tramado um roubo milionário de dinheiro do Estado em que tudo indica a sua culpa, de maneira indiscutível. A sorte, como sempre, não está com o espírito da machadinha, mais longe que nunca da sua amada Darkwood.
Nesta segunda história, percebemos que os autores se importam em ter o Estado americano como uma instituição paranoica (quando oficiais brigões prendem Chico por ele “roubar” uma linda flor da grama de um forte militar), e vitimada justamente para que o leitor se envolva com o drama estatal, uma vez que o dinheiro foi roubado e muitos agentes públicos foram mortos. Em suma: eles precisam rapidamente de um culpado. Na iminência da acusação, Zagor traça um plano nada infalível de fuga da prisão de Hellgate, em uma trama inspirada nos clássicos filmes de cadeia em que o ambiente carcerário é algo sufocante para qualquer homem. Enjaulado, o herói prova ser um anti-herói à medida que deseja escapar da lei, enquanto junta provas de sua inocência quanto ao assalto do comboio, além de encontrar seus verdadeiros culpados. Detalhe que essas histórias foram as primeiras a ganharem páginas coloridas das aventuras de Chico e Zagor, numa estratégia editorial de atrair mais leitores, em 1972. Deu certo, a tiragem foi um sucesso, e o que já era ótimo ganhou historicamente mais um atrativo.
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