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  • Crítica | Vidas Duplas

    Crítica | Vidas Duplas

    A filmografia de Olivier Assayas tem sido muito prolífica, recentemente pelo menos, já que tem lançado filmes com um intervalo de tempo cada vez menor. Após Acima das Nuvens e Personal Shopper, o cineasta traz à luz Vidas Duplas, um exército que eleva a metalinguagem da arte a um nível bastante alto.

    O filme, premiado no Festival de Toronto mostra as agruras do editor Alain (Guillaume Canet), que tenta se adaptar a um novo momento da forma de ler, com o crescimento do mercado digital e de e-pubs. Ao mesmo tempo ele conversa com um autor que já trabalha a tempos com ele, Léonard (Vincent Macaigne), um sujeito inseguro, dúbio em caráter e que ainda consegue ser carismático apesar de tudo isso. O ponto de partida da conversa de ambos é a recusa do manuscrito de Léo, fato que faz o editor parecer cruel e mesquinho enquanto o escritor parece um coitado injustiçado, mas esses papéis são invertidos e subvertidos ao longo do filme.

    Carente, Leonard busca alívio em sua parceira Valérie (Nora Hamzawi), uma mulher bem diferente dele, bastante refém da tecnologia e de aparelhos eletrônicos. A recusa da palavra de acalanto não cai bem em si e fere sua vaidade, e essa parte do filme é pródiga em mostrar qual é o caráter da história que Assayas propõe, pois esse é um filme-diálogo, onde os personagens gastam seu tempo e energia discutindo acaloradamente sobre os mais diversos assuntos e nessa revelação de pontos de vistas se nota um bocado do caráter e ideologias de cada um.

    Pirataria de filmes e a democracia da arte, desdém pela tecnologia e a quem depende dela para tudo são só alguns dos temas abertamente falados, mais um especial é mais importante e certeiro, que é a privacidade de quem se relaciona com os contadores de história – exemplificado aqui por Léo e seus livros – e até onde se estende a dicotomia entre personagem inspirado em alguém e a pessoa real. Toda a discussão travada na frente das câmeras (e iniciada em fóruns na internet) sobre a ética envolvendo a romantização de fatos que ocorreram realmente é muito bem exemplificada, apesar do exemplo ser elemental e óbvio demais. A cena em questão soa panfletária, mas o roteiro não é preguiçoso e desenvolve isso depois.

    Há uma fala bem icônica da personagem de Juliette Binoche, a atriz Selena, sobre esta questão de auto-ficção praticada pelo escritor. Ela pede ” por favor não faça um livro sobre isso”, se referindo a um fato sobre os dois, e em atenção a outro momento de ambos que tiveram em um de seus livros. A construção de personagem em cima de Leonard é muito rica, pois ao mesmo tempo em que o espectador é levado a ter dó no começo, se percebe que ele usa até seu complexo de inferioridade para manipular os que estão ao seu redor, normalmente barganhando até com seus segredos íntimos. O sujeito é ruim, mas não em essência, ele não é maquiavélico, é só atrapalhado e tem sua criatividade viciada em acontecimentos autobiográficos.

    Há em Vidas Duplas uma política do desconforto muito presente, em especial perto do filme acabar, onde alguns microcosmos antes distantes finalmente se juntam e tem chances reais de confronto. O final faz o espectador se afeiçoar pelos personagens, sobretudo por Leonard, por mais idiota que ele o seja. A percepção da resultante da obra é que o conjunto de pessoas mostradas em tela são reais em falhas e em virtudes e isso é algo difícil de mostrar em um filme.

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  • Crítica | O Homem Que Elas Amavam Demais

    Crítica | O Homem Que Elas Amavam Demais

    O homem Que Elas Amavam Demais - poster br

    A adaptação de uma história verídica para o cinema nunca é simples, e tudo fica complexo ainda mais quando não há uma conclusão absoluta para tal história. Porém, nada impediu o diretor André Téchiné na produção de O Homem Que Elas Amavam Demais, drama francês baseado no caso real da família Le Roux, imperatriz dos jogos de azar no sul da França.

    A trama parte da cidade de Nice, em 1976, quando Agnes Le Roux (Adele Haenel), após o fim de seu casamento, decide retomar sua vida como herdeira ao lado de sua mãe, Renée (Catherine Deneuve), mas também visando a herança deixada por seu pai. Porém, devido a má administração de seu principal cassino, a matriarca se vê sem meios de suprir a filha. Completa o trio principal o advogado Maurice Agnalet (Guillaume Canet), um dos únicos aliados de Renée em meio a oposição de seus sócios e empregados.

    Quando Agnalet tem seus planos de ascensão frustrados por Renée, ele volta suas atenções para a filha de sua cliente. Mesmo casado e já com uma amante, eles iniciam uma relação amorosa que encontra seu ápice em 1977, quando a jovem desapareceu. O corpo nunca foi encontrado. Agnes havia tentado o suicídio pouco antes de sumir, e se sentia culpada por trair a mãe, após uma transação com Maurice envolvendo a máfia, para afastá-la dos negócios, tudo documentado nas gravações telefônicas do advogado e nas cartas trocadas entre ele e a garota, que nada provaram. O caso foi arrastado por mais de 30 anos (que infectam parte do filme), e ficou conhecido como Affaire Le Roux.

    Quem conhece o cinema de André Téchiné sabe que sua preocupação é maior com a construção de seus personagens do que com o desenvolvimento da história em si, e isso se repete aqui, mas não de forma satisfatória. Apesar da atuação empolada de Catherine Deneuve, quase como uma coadjuvante de luxo, Canet, apesar de esforçado, não se aprofunda no caráter duvidoso de Agnalet, e Hanel se mostra incapaz de trabalhar as nuances de sua personagem, dando um tom artificial e pasteurizado às suas transições de estado, indo do enérgico ao frágil sem degrau algum.

    A narrativa, dividida em camadas, em nada lembra o diretor seguro, mágico e consistente dos anteriores Rosas Selvagens e Tempos que Mudam. Toda a verborragia derramada no início do filme, com uma sequência – ou uma série delas – mal costurada para a introdução da história, dá lugar a um dramalhão que beira o clichê fácil da trama tribunal.

    No fim, O Homem Que Elas Amavam Demais parece ter elementos demais e, mesmo que alguns estejam bem acertados (como a belíssima fotografia), falta uma concatenação que os dê algum sentido maior. Possui uma série de méritos isolados, mas que em conjunto fica devendo, seja como registro histórico ou como cinema quanto suas intenções autorais.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Na Próxima, Acerto o Coração

    Crítica | Na Próxima, Acerto o Coração

    Na Proxima Acerto no Coração 1

    Fruto da união do diretor Cédric Anger com Guillaume Canet, Na Próxima, Acerto no Coração adapta o livro de Ivan Stefanovich, aludindo a questões primordiais de suspense e a veracidade dos fatos criminais mostrados em tela. A trilha instrumental dá leveza e sentimento aos momentos de extrema violência mostrados pelas lentes de Anger, e embala a crueldade humana de uma forma bastante poetizada. Olse é palco de uma série de eventos grotescos e expõe uma face violenta do local, em contraponto ao romantismo que impera sobre o imaginário da cidade.

    Canet vive o guarda policial Franck Neuhart, que sofre ao assistir os atrapalhados atos de seus colegas, que se ferem gravemente ao não se atentarem para armadilhas de criminosos. Seu código ético faz ele se punir por nutrir em si desejos homicidas e por também se culpar pelas desgraças que o cercam. Com dificuldades sérias para se relacionar com outrem, o homem da lei apresenta traços em comum com os sociopatas que costuma prender.

    As dificuldades em conviver com outros humanos incluem uma extrema timidez, fazendo com que – supostamente – tenha profundas restrições quanto a pares amorosos, mesmo que estes estivessem tão perto de ceder aos seus encantos. Sophie (Ana Girardot) é uma figura que lhe causa espanto, o estopim para a primeira demonstração de desequilíbrio e ação destemperada do sujeito, que mostra sem pudores sua intenção homicida e sua rotina comum, ainda que a cena tenha no sentimento de culpa seu centro emocional. Franck sente remorso não só por seu “ato mau” e intempestivo, mas também pela sua desnecessária sujeira.

    As manchas de sangue, que insistem em habitar o rosto e o para-brisas do carro, são signos visuais de uma realidade que o pseudo homem da lei tenta esconder, obviamente fracassando. Assim como o vermelho facilmente prevalece sobre o branco da pele do intérprete, os policiais encontram o rastro do protagonista em um misto de incompetência de Franck, em um ato falho mais uma vez evidenciado pela sua culpa. Os métodos de fuga são demasiado simples, até rústicos, como se a escapatória fosse a última alternativa para o seu destino.

    Mesmo incógnito, e sem pagar por seus pecados, Franck não consegue livrar sua psiquê e fantasias das figuras mórbidas que produz. Até a nudez lasciva que lhe atrai reúne elementos cadavéricos e signos mortuários, fazendo alegorias pouco utilizadas e bastante sutis aos estigmas e desejos que cercam a personagem.

    É fato conhecido – e até anunciado antes do início da trama – que o roteiro seja repleto de acontecimentos inventados, para que a narrativa fizesse sentido junto aos fatos. Mas os acontecimentos mostrados fazem parte de uma sequência de pura verossimilhança, especialmente nas reações dos policiais ao perceberem a traição. Ao mesmo tempo em que a direção de Anger faz questão de aproximar o psicopata da humanidade, takes e sequências inteiras onde a câmera é posta em um ponto longitudinal, normalmente de cima, fazem referência ao Divino, a figura que comumente julga os atos dos humanos. O suspense de Na Próxima, Acerto o Coração não se localiza nos eventos trágicos, e sim nas reações culposas do homem, que não encontra perdão sequer nos braços de seu deus, possivelmente por não ver na figura uma alternativa de salvação, já que o mal faz morada em seu corpo. O roteiro de Anger não faz concessões morais, pelo contrário, aponta a crueldade humana com normalidade, afastando a figura do vil e frio matador de arquétipos demoníacos ou utopicamente maléficos. Ações do perfil comum de um psicopata.