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  • Crítica | O Rio Nos Pertence

    Crítica | O Rio Nos Pertence

    O Rio 1

    O segundo capítulo da chamada Operação Sonia Silk – iniciada com O Uivo da Gaita – inicia-se em um breu absoluto, onde a fúria do som predomina sob a paz que a escuridão deveria propagar. Após os preâmbulos, notam-se duas pessoas interagindo, com Marina (Leandra Leal) nua, poetizando sobre o corpo desnudo de seu parceiro, em um momento de extrema intimidade, convidando o público a usufruir do instante de epifania de ambos. O significado de amor líquido prossegue na nova história.

    O filme dirigido por Ricardo Pretti reúne uma aura de mistério exacerbada. Iniciada pelo retorno de Marina a sua terra natal, que se deu por motivos misteriosos, com conhecimentos aquém de sua existência. Ao atravessar as areias praianas, a bela mulher ouve urros, sons indecifráveis de criaturas possivelmente sobrenaturais, responsáveis por uma insônia que a assola, que aumenta a angústia de sua vida e a faz se isolar ainda mais.

    A paranoia fomentada por cartas recebidas em casa, com os dizeres “O RIO NOS PERTENCE”, convive  junto a afeição pela filosofia nietzschiana, profetizada pelo professor e estudioso vivido por Jiddu Pinheiro, um antigo amor de Marina. O reencontro entre ambos passa longe de ser tão calmo e resoluto quanto são as aulas do docente, excetuando os olhos atentos dos alunos ávidos por conhecimento. O que sobra são desprezos que visam retribuir  a ignorância ocorrida no pretérito, reflexos de uma parte da vida que o homem preferia esquecer, mas que insistentemente retorna.

    O regresso de Marina traz muitos infortúnios. Indagações da parte da personagem de Mariana Ximenes, que, impossibilitada de movimentar as pernas, anda com ajuda de muletas e faz questão de despejar sobre a protagonista seu azedume, o amargor do desprezo que ela achou sofrer com a partida de sua “igual”. A discussão que Marina tenta impetrar é adulta, diferente da fuga que sua irmã faz. O confronto aos fantasmas do passado é demasiado traumática para a mulher incapacitada, e bastante incômodo à “filha pródiga” que seguiu seus instintos.

    A ideia de remontar e costurar referências aos contos macabros de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft é válida, apesar de não ser inédita em produções brasileiras – em especial o seriado Contos do Edgar –. Mas apesar das belas intenções, o sentido presente no roteiro de Pretti é vago em essência, supervalorizando o suspense e todo o misterioso caráter dele proveniente. Em muitos momentos, o texto soa pretensioso, com as mesmas características negativas do primeiro episódio de Sonia Silk. Utilizando elementos de filmes de terror, no entanto, a obra se faz ligeiramente mais interessante.

    A dubiedade presente na incerteza entre toda a aura maligna ser fruto de uma ação espiritual ou apenas um reflexo de uma depressão ideológica e de sonho da psique frágil de Marina, O Rio Nos Pertence se perde em meio a uma trama que pretende muito e entrega pouco, reeditando a tentativa vã de utilizar um viés erudito. Ainda que a experiência de assistir a O Rio Nos Pertence seja bem menos tediosa do que no filme de Bruno Safadi, falta consistência ao produto final.

  • Crítica | O Uivo da Gaita

    Crítica | O Uivo da Gaita

    O Uivo da Gaita 1

    Primeira parte de uma trilogia de “amor líquido”, O Uivo da Gaita é uma história regida por Bruno Safadi que tem na rotina amorosa a pauta da segurança enquanto unidade familiar. O início, contemplativo, revela belas imagens da costa litorânea carioca, reunindo todos os sentidos possíveis da história de amor. Já na areia, as duas personagens femininas fazem uma descompromissada corrida atrás do vento, sem qualquer sentido ou moral, unicamente seguindo seus instintos.

    Luana e Antônia se entregam ao prazer proibido, maximizado por suas duas belas intérpretes, Leandra Leal e Mariana Ximenes, que fazem produzir cenas tórridas, dignas de qualquer fantasia heterossexual masculina, possantes e potentes, mesmo nos parcos minutos iniciais, para logo depois revelar o presente, momento em que o roteiro pretende montar sua história.

    Abrindo mão de falas que poderiam prever qualquer movimento, o roteiro contempla a “vida real” de Antônia, presa em uma relação comum com Pedro (Jiddu Pinheiro), relacionamento cujo cotidiano pesa mais do que qualquer outro aspecto. Os ecos audíveis das pessoas flagradas em cena só ocorrem aos quinze minutos, com quase um quarto de filme, somente para reforçar a ideia de discussão de relação, ainda que a abordagem entre os antes iguais esteja claramente na curva descendente, às vésperas de acabar.

    É em uma das interações entre Pedro e Antônia que Luana surge, a princípio para “brincar” com eles, dançando em um ritmo louco, levantando possibilidades de poligamia, artifício comum em relações em fase de degradação, mas aos poucos os paradigmas mudam. Os jogos de sedução começam brandos, algo bem diferente do explícito exibido no começo da fita.

    Os ângulos que Safadi escolhe primam pela sensualidade, esbanjando bom gosto especialmente ao analisar as voluptuosas curvas de Leandra Leal e seu poder de alcançar o fetiche das duas partes do casal. A naturalidade dos seus movimentos mostra-se também para a câmera, que causa choro e emoção às duas partes do casal, mas que não consegue passar tal ebriedade ao público, pelo caráter lento da narrativa, ambiciosamente dividida em três longas-metragens.

    Mostrando pessoalidade na confecção de seus heróis, o realizador insere uma desolação de alma no comportamento distinto de Luana, mostrando-a desagradável em sua rotina comum, longe das outras duas personagens. O affair construído causa uma interdependência que se assemelha à sensação abstêmia de quem é obrigado subitamente a deixar de usar uma substância da qual é dependente.

    O desfecho é inconclusivo, referenciando a segunda parte, O Rio Nos Pertence, que explora o mesmo elenco mas em tramas diferentes, tendo em comum o cenário da cidade maravilhosa. Depois das dedicatórias, há uma cena pós crédito que relembra a lentidão narrativa da obra, tornando erudito um texto simples, mas que pouco foge das convenções sofisticas. Apesar das boas imagens, o filme é mais digno de reprimendas do que de aplausos.