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  • Review | Sob Pressão – 1ª Temporada

    Review | Sob Pressão – 1ª Temporada

    Depois do longa Sob Pressão, de Andrucha Waddington, finalmente chega a Rede Globo a primeira temporada de mesmo nome, com direção de Waddington e Mini Kerti. O piloto mostra o Doutor Evandro (Julio Andrade), um cirurgião sempre nervoso e ansioso, que no primeiro momento em que aparece, vê sua esposa chegando quase morta no hospital, assumindo a cirurgia que não deveria operar, e se desesperando com o fato de não ter conseguido salva-la. Esses eventos são anteriores ao longa que esteve no Festival do Rio de 2016, e mais uma vez Andrade e Marjorie Estiano estão muito bem.

    A série é assinada por Jorge Furtado, e há algumas semelhanças com a filmografia e obra do escritor, diretor e produtor, como na cena em que Carolina (Estiano) pergunta sobre o café do hospital estar frio ou não, e a resposta de Evandro de que ela deve ser mesmo novata pois a pergunta não faz sentido, conversa demais com os momentos de A Vida Como Ela É e Meu Tio Matou um Cara, na parte do humor, mas o drama explorado e os vícios mostrados conversam muito mais o pragmatismo humorístico de Waddington, até por conta de ser baseado no filme dele.

    Como no filme, parte da narrativa se dedica a denunciar a precariedade do serviço médico público, ao mostrar um hospital que atende a comunidade mais carente, localizado em algum lugar suburbano do Rio, muito provavelmente Cascadura, Madureira ou adjacências de algum bairro da Zona Norte da cidade da Guanabara. O ultrassom quebrado, a falta de remédio, gaze, é só mais um número diante do montante de problemas de mantimentos dali, e essa realidade desenhada é maravilhosamente bem conduzida, aliada a uma linguagem dos personagens que é bem franca, repleta de palavrões que fazem toda a situação soar ainda mais realista que as novelas da emissora.

    Os  casos dos pacientes são diversos mas sempre há um caráter dúbio implícito. Há gente que aparece tentando suicídio e escondendo uma história de abuso sexual, o menino que supostamente engoliu uma bala mas que na verdade era cocaína, histórias que ao mesmo são fantasiosas e extremas mas que também guardam semelhanças com a realidade tangível da população brasileira, sobretudo a mais pobre. Nada é fácil, nem os dramas dos personagens casuais.

    O quadro de funcionários – e consequentemente de elenco também –  é diferenciado. Quem está na direção do hospital dessa vez é Samuel, de Stepan Nercessian e não mais a personagem de Andreá Beltrão, e uma boa discussão levantada é a respeito da vista grossa ao superfaturamento de mantimentos do hospital, com Samuel tendo de aceitar isso e Evandro sendo completamente contra esse tipo de forma de corrupção. A diferença fundamental dos dois é a demora para aceitar essa percepção ou não, porque ambos chegam a mesma conclusão, já que não aceitar esse tipo de sujeira significa (por exemplo) não ter um tomógrafo na clínica.

    Há um trabalho de caracterização muito bom, que faz com que os personagens pareçam realmente sofridos, sem tempo para cuidar até de seu visual. No quarto episódio há dois núcleos importantes, um com um cego, interpretado por Matheus Nachtergaele, que tem um cão que também foi ferido, e uma mulher que é agredida pelo marido e depois retribui com uma facada nesse esposo, quando o mesmo dormia. Essas histórias lidam com o lado duplo da vida do homem, em especial no embate que crescia entre Evandro e Carolina, mostrando que a ética do doutor vai além da moral profissional e se permite cumprir deveres que a junta de medicina não permite, afinal um cirurgião não pode operar um animal, ao mesmo tempo, Evandro resolve também não denunciar o caso de violência doméstica a polícia, por medo de represálias a moça ou dela retirar a queixa.

    Essas duas histórias citadas são muito bem exploradas, e tocam em detalhes pontuais da biografia de ambos, conversando com os casos de abuso que Carolina sofreu, e com a fé cristã que ela professa, e claro, com a história de Evandro, mostrado no piloto envolvendo a sua falecida esposa e uma subtrama judicial levantada por sua sogra, vivida por Carla Ribas que o culpa pela morte da filha. Mais tarde esses dois assuntos são novamente visitados e explorados.

    Todo capítulo tem ao menos uma lição moral, que as vezes excede ao panfletarismo, mas não chega a incomodar. Nos últimos dois episódios, Carolina revive seus dramas do passado, e enfrenta a memória do seu pai, enquanto Evandro enfrenta o julgamento sobre sua ex-esposa morta. A tentativa do nono episódio é de  findar emocionalmente o julgamento de Evandro e a relação paternal de Carolina, e ao final dele, repete-se o ciclo do começo, com Carolina na mesa de operação, fazendo o médico ter que decidir o que fazer ao ver sua amada mais uma vez sofrendo com o presságio da morte. Depois da resolução desse caso, Evandro retorna a sua casa mesmo com uma oferta de trabalho em um hospital particular ele decide regressar ao ambulatório da Zona Norte, por se enxergar como um sujeito mais útil nesse local. Apesar de um pouco didática e forçada em alguns pontos, Sob Pressão acerta demais no tom pragmático, sendo uma das melhores opções dramatúrgicas da Globo atual.

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  • Crítica | Real Beleza

    Crítica | Real Beleza

    Real Beleza 1

    Com um orçamento bastante baixo, mas munido de um elenco famoso, Jorge Furtado retorna ao cenário de longas-metragens de ficção após o interessante Mercado de Notícias. Com o casal Vladimir Brichta e Adriana Esteves, traz à luz um filme que deveria ser uma ode a arte e a universalidade da beleza, mas que acaba por valorizar conceitos familiares, ainda que por vias tortas.

    Real Beleza se passa no estado do Rio Grande do Sul, cenário comum aos bons filmes de Furtado, a exemplo de O Homem Que Copiava e tantos outros. Dessa vez, o foco não é a capital, e sim o interior. João (Brichta) é um fotógrafo que vive uma fase de decadência em sua carreira, algo apresentado já no início da fita através de uma das modelos que trabalham com ele. Uma sequência inicial começa muito bem, com um plano-sequência interessante, mas resulta em um momento esdrúxulo que revela um ataque de ego, cuja resposta imediata é um ímpeto de violência do artista

    Assumindo seu papel de subalterno, João viaja pelas cidades pequenas caçando modelos em potencial até encontrar Maria (Vitória Strada), uma moça que vive em um lugar isolado, com seus pais. Sem opções e entediado, o fotógrafo se lança nesta jornada até encontrar Anitta (Esteves), que se entrega a ele de um modo, a seu ver, único.

    Entre uma relação carnal e outra, há enormes discussões a respeito da arte clássica e do conceito de beleza, que revelam alguns diálogos e discussões bastante interessantes, mas que se perdem em meio a uma produção sinuosa. Pedro (Francisco Cuoco) mostra-se uma persona em fase de declínio ainda mais agravante do que do personagem mais moço, graças a sua imagem que se deteriora cada vez mais, e a velhice que lhe causou cegueira e teimosia. Sentimentos como desapego, gratidão e cuidado se confundem, piorando o quadro quando o debate entre as posições ideológicas dos dois deixa prevalecer o conceito de que a imagem normalmente vence o conteúdo, apesar das ressalvas de Pedro.

    A tentativa de fazer uma ode à beleza da arte é falha, especialmente em razão da fraqueza dos personagens secundários e da banalidade típica que está presente no roteiro. De positivo, há o argumento a respeito da invisibilidade do idoso, ainda que a abordagem da drama torne-se dúbia, já que, em quase todas as vezes que Cuoco encontra a lente de Furtado, há uma estranheza e enfoque em uma condição de senilidade extrema. Real Beleza tenta ser singelo, mas tropeça em um roteiro ainda mais pobre que o baixo orçamento utilizado em sua produção.