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  • Crítica | Os Olhos Amarelos dos Crocodilos

    Crítica | Os Olhos Amarelos dos Crocodilos

    Os Olhos Amarelos do Crocodilos

    Com lançamento para o dia 2 de julho, o drama Os Olhos Amarelos dos Crocodilos é o terceiro longa de Cécile Telerman, e conta no elenco com Emanuelle Béart e Julie Depardieu como as protagonistas Josephine e Iris.

    O filme abre com uma bela e colorida cena na praia. Nela, vemos duas meninas (Josephine e Iris) planejando seu castelo de areia enquanto conversam e planejam coisas juntas, mas, de repente, seu pai aparece com uma filmadora registrando suas filhas brincarem na praia. Nesse exato momento você tem um registro claro da personalidade das duas irmãs; enquanto Josephine esconde o rosto quando seu pai pede para que elas sorriam, Iris logo faz poses e se exibe para a câmera. E durante as próximas duas horas Cécile Tellerman irá fazer um estudo dessas personagens a partir dessa cena.

    Na trama, Jo (Julie Depardieu) acaba de se divorciar do marido, Antoine, que era a única fonte de renda da casa para ela e suas duas filhas. Logo, a mãe sem recursos volta a trabalhar como tradutora no escritório do genro Philippe. Enquanto isso, sua irmã Iris (Emanuelle Beart) passeia e vai a encontros sociais nos mais diversos lugares, onde num deles acaba inventando que está trabalhando num projeto de livro sobre um comerciante na Idade Média, tema essa roubado da pesquisa de mestrado de sua irmã Jo.

    A produção constrói toda a narrativa principalmente acompanhando a vida de Josephine e de Iris, fazendo algumas raras e rápidas exceções durante o trajeto para acompanhar isoladamente o que aconteceu com alguns dos personagens, e isso traz uma dinâmica interessante porque em alguns momentos os dois núcleos se unem e depois voltam a se entrelaçar. Apesar de ser um drama, ele ainda possui alguns momentos divertidos interpretados por Julie Depardieu, que sempre parece estar abobalhada em muitas das cenas, mas que não fazem contrapeso nenhum com a seriedade do longa. Apesar disso, Depardieu entrega uma performance muito humana como a mãe que possui o objetivo de cuidar de sua família. Os bons diálogos ficam na verdade na boca da filha de Jo, Hortense (Alice Isaaz), que tem as sacadas mais irônicas e provocativas, e que realmente parece uma adolescente de saco cheio de tudo.

    O único personagem que aparenta não estar confortável em seu papel é Philippe (Patrick Buel), o marido de Iris que aparece em quase todo o filme com o mesmo semblante cansado e desencantado. Mas, pensando melhor é plausível a partir do momento que percebemos a condição desgastante em que seu personagem vive, tendo como única alegria a presença de seu filho. O ponto que realmente incomoda é talvez a trilha sonora que aparece em intervalos muito grandes e que não tem de fato papel diferencial na obra, deixando espaço para boas interpretações.

    Os Olhos Amarelos dos Crocodilos possui um cuidado em sempre fazer todas as cores parecerem muito vivas, mesmo em cenas escuras podemos ver ondulações e tons quentes em alguns pontos em que cada cena é fotografada. É um drama simples que fecha um ciclo (não a história), e que fala sobre comportamento e sobre você aceitar suas atitudes e tomar outras. É o tipo de experiência que, apesar dos defeitos, só funciona numa bela tela de cinema.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | A Culpa é do Fidel

    Crítica | A Culpa é do Fidel

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    A influência de nossos pais sobre nossas vidas é maior do que parece, e talvez só nos demos conta disso com o peso da idade ou através da visão de um ser externo. O cinema de Julie Gavras parece ser um desses casos onde essa influência paterna se torna inevitável, já que é filha de Costa-Gavras. Por isso, nada mais normal a inclinação pelo cinema político contido em A Culpa é do Fidel, de 2006.

    O filme retrata uma paris dos anos 1970, onde somos apresentados a Anna (Nina Kervel-Bey), uma garota de nove anos de idade, inteligente e caprichosa, que mora com seus pais, Fernando (Stefano Accorsi) e Marie (Julie Depardieu), o irmão mais novo, François (Benjamin Feuillet), e a empregada da família, Filomena (Marie-Noelle Bordeaux). Anna tem uma vida confortável e razoavelmente luxuosa, mora em um pequeno palacete, frequenta um dos melhores colégios católicos da cidade, passa suas tardes brincando em seu imenso jardim. Seu pai é um advogado bem sucedido e sua mãe escreve artigos para a Marie Claire, que Anna lê religiosamente.

    A vida aparentemente pacata e metódica de Anna muda radicalmente quando surge a figura de Marga (Mar Sodupe), sua tia, irmã de seu pai. Fernando passa a se sentir culpado quando seu cunhado é capturado e assassinado pela ditadura espanhola de Franco. Seu sentimento de culpa o leva até o Chile dos anos 70, onde a cena política efervescia com a chegada de Salvador Allende à presidência. Assim, ao retornar a França, os pais de Anna decidem viver de maneira mais modesta, trocando a vida de outrora pelo engajamento político.

    Esse mundo novo não é bem aceito por Anna e há uma cisão clara desses universos, de um lado os pais e amigos de Anna, representando essa mudança, do outro, os avós e a empregada representando o lado conservador, mas também carinhoso e confortável. Filomena, a empregada da família é uma exilada cubana que culpa Fidel Castro e os “outros barbudos” por ter perdido suas propriedades e vê os comunistas como o mal do mundo. Seus avós mantem uma postura tradicional, são grandes proprietários de terra que acreditam que comunistas são jovens pobres que querem tomar seus bens.

    Sua mãe cada vez mais ligada ao movimento feminista abandona seu trabalho na revista Marie Claire, enquanto seu pai passa a advogar para minorias e se torna ativista de ideais revolucionários, o ambiente da casa de Anna pouco a pouco cede lugar a empregada reacionária para outras, dessa vez imigrantes refugiadas de regimes conservadores. Sempre rodeada pelos amigos de esquerda de seus pais e suas reuniões infinitas ou pelas entrevistas de sua mãe com outras mulheres, tudo isso somado a rígida educação católica de Anna, cria um multifacetado universo de ideologias e diferenças culturais, tratando de maneira delicada, poética e bom humor todas as mudanças pelas quais a personagem irá passar.

    A visão romântica, quase de contos de fadas e histórias de princesas que Anna tanto gosta se desconstrói ao longo do filme, assim como seu penteado, impecável no início da trama, e já perto do final, completamente desgrenhado, o mesmo ocorre com os figurinos das personagens, Anna a principio utiliza vestidos e saias com cores sóbrias, ao longo da projeção cores vivas tomam corpo, e ao final abandona suas saias e vestidos por calças, referência ao movimento feminista e uma metáfora clara às mudanças e reflexões pelas quais a protagonista e as demais personagens passaram.

    No meio desse plano de fundo político, pós 68, revolução cubana e outros movimentos importantes, Anna é inserida nesse mundo, repleto de tipos esquisitos, torna obrigatória para Anna tomar decisões difíceis, mudar posturas, refletir sobre sua a vida e a daqueles que estão à sua volta. Toda essa dualidade contida em A Culpa é do Fidel é feita com extrema leveza, propondo uma nova perspectiva do mundo.

    A câmera de Julie Gavras trabalha com ângulos baixos, sempre filmando de baixo pra cima, deixando claro se tratar do ponto de vista de uma criança, talvez por isso alguns temas sejam martelados não apenas uma única vez, já que temos conceitos complexos, repletos de fatos históricos acontecendo ao seu redor e crianças tentando entender as mudanças pelas quais estão passando. Todo o contexto político apresentado pelo filme não soa panfletário, e a diretora evita uma demonização de qualquer dos lados, já que o tema maior por trás do longa é discutir valores, ideias e acima de tudo, o amadurecimento. As relações familiares, a importante discussão sobre o real significado de ser solidário e o conceito de crescimento são explorados com enorme delicadeza, na visão de uma criança de nove anos. Todas essas reflexões são ainda maiores que o tema político existente no filme, que este sim serve apenas como cenário para a discussão maior que a cineasta propõe.

    A Culpa é do Fidel é um belíssimo filme, repleto de grandes atuações e grandes diálogos, e acima de tudo, um grande estudo sobre como crescer em tempos de crise.