Crítica | Amor Fora da Lei
Poetas e contadores de histórias gostam de relacionar o amor ao proibido, e a evolução da associação do sentimento ao que a sociedade vê como reprovável é natural. Tal conceito é utilizado no cinema largamente; por mais repetitivo que seja, o clichê ainda chama a atenção. Recentemente, Amor Bandido atraiu a atenção de quem era fã de Matthew McConaughey e Jeff Nichols ao dar uma abordagem mais diversificada e de ângulo diferente do mito de Bonny e Clyde e do que foi visto em Uma Rajada de Balas. Em Amor Fora da Lei, David Lowery apresenta um clima mais rural e até white trash à máxima, apresentando um casal apaixonado não tão normal quanto a maioria.
Após uma bela introdução, que põe os cônjuges em uma corriqueira troca de carícias e farpas, Robert Muldoon e Ruth Guthrie (Casey Affleck e Rooney Mara, respectivamente) se põem em um tiroteio, fazendo com que um dos policiais seja baleado. Como um autêntico cavaleiro de armadura, “Bob” assume a autoria do atentado e é levado à penitenciária em uma cena de despedida que transita entre o tocante e o grotesco, com a câmera enquadrando um beijo terno e as vestes imundas pela poeira e pelo pecado de suas ações, que foram causadas de forma direta ou negligentemente.
Bob não se sente o réu sentenciado que na realidade é, e em virtude disso tenta arranjar a sua liberdade à força, tencionando sua própria fuga em cinco oportunidades, finalmente tendo êxito no sexto tiro. Uma vez na área aberta novamente, ele procura encontrar sua amada numa jornada país adentro, mudando drasticamente a vida de quem ele encontra em sua estrada rumo à perdição.
Apesar de aparentar no começo o contrário, Ruth aguarda ansiosamente a chegada de seu amado. Fazer os terceiros pensarem que ela teme pela vida de sua filha faz parte da atuação teatral para afastar qualquer suspeita de envolvimento com a fuga de Bob. O nome original da película, Ain’t Them Bodies Saints, remete à ausência de santidade nos envolvidos da trama, qualidade esta que também pode ser interpretada pela falta de inocência e até por certa responsabilidade pelo crime, independente do julgamento parecer desigual.
A trajetória do fugitivo rumo ao seu destino final o faz praticar o que ele foi acusado de fazer outrora. O rastro de sangue que ele deixa é acompanhado de um sentimento de sobrevivência, mas que não o resguarda da culpa de ter que ameaçar as pessoas e matá-las quando isso se mostra necessário. Sua ida para casa se faz por vias tortuosas; o personagem percorre o caminho sentindo sua vida escorrer pelos dedos. Ignorando o bom senso, ele prossegue em busca de sua musa, mal pensando na própria sobrevivência.
A cena em que Ruth e Bob finalmente se encontram é singela. A moça tenta guardar suas lágrimas, mas é quase inevitável que ao menos algumas escorram em seu rosto, especialmente depois de toda uma vida esperando por ele. Por estar quase convalescendo, a enfim restrita reunião ocorre, variando entre o presente, nada pessimista e calcado no real, e uma imaginação de ambos abraçados em tempos mais simples, sem toda a arquitetura de bandidos em fuga. Em seus sonhos, Bob vive em uma casa idílica onde o casal poderia morar e ser feliz, num paraíso intocado, distante demais dos áridos dias que ambos sofriam. A sensibilidade com que Lowery trabalha o roteiro é ímpar ao utilizar o conceito de “falar de modo leve de coisas graves” a potências altíssimas, sem recorrer a um sentimentalismo banal.