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  • Crítica | Rock Brasília: Era de Ouro

    Crítica | Rock Brasília: Era de Ouro

    Vladimir Carvalho usa seus esforços para registrar um pouco do que foi a geração brasiliense que mudou o cenário do rock nacional. O documentário se inicia após uma cena de uma plateia ensandecida à espera da banda Legião Urbana numa conversa com Renato Russo, resgatada de mais de 30 anos atrás. A escolha do diretor de Rock Brasília: A Era de Ouro é óbvia e muito justa, uma vez que Renato é participante do que podemos chamar do marco zero do rock brasiliense e líder da banda mais bem sucedida surgida neste cenário.

    Carvalho segue entrevistando os pais de Phelipe Seabra (Plebe Rude) e de Renato, bem como os irmão e Flávio Lemos (atualmente, Capital Inicial), pouco depois, André “X” Mueller. O longa desenvolve um pouco da origem destes personagem, inicialmente com os irmãos Lemos comentando de quando foram morar na Colina, um lugar famoso em Brasília por não ter uma alcunha numeral.

    O filme reconstrói a viagem a Patos de Minas, onde Legião e Plebe foram tocar, conhecida como o primeiro show de ambos os grupos fora de Brasília, com um destaque especial para os relatos a respeito da idade de Seabra na época, já que precisou viajar com Mueller como seu responsável, uma vez que era menor de idade no período.

    Os detalhes da incursão das bandas no mercado fonográfico são igualmente curiosas, explicitando que Russo teria enviado uma fita com suas músicas ainda como artista solo, Trovador Solitário, e não ainda com o que viria a se tornar a Legião Urbana. A expectativa da gravadora era que ele fosse uma versão do Bob Dylan do cerrado e a realidade era um pop rock com origens no punk rock britânico. Hermano Vianna e Herbert Vianna também seriam muito importantes não só para propagação da banda de Renato, mas também da Plebe e Capital.

    Gasta-se um tempo demasiado falando do incidente em um show da Legião Urbana no Mané Garrincha, onde houve um enorme tumulto. Essa situação dialoga com a questão da emigração dos músicos, que foram para São Paulo e Rio de Janeiro. Esse período do filme serve para discutir a parte depressiva da maioria dos frontmans, casando as entrevistas em que Dinho Ouro Preto fala sobre sua primeira saída de sua banda; Renato desesperançoso após a morte do presidente Tancredo Neves e a chegada de seu vice, José Sarney, ao planalto; e por fim, Seabra, que vê o showbizz como algo nojento, já que ele era interrompido com pedidos de autógrafos até no quarto de UTI, com seu pai prestes a morrer. Aquela geração parecia não estar totalmente pronta para o sucesso e a fama.

    Os depoimentos mais emocionantes e vívidos certamente são as de Seabra e Mueller, francos em relação aos erros que levaram ao término da banda e os motivos que os fizeram retornar com a Plebe Rude, que aliás, é dos conjuntos analisados o mais visceral e autêntico. Rock Brasília: Era de Ouro é um documentário que arranha um pouco a superfície da biografia dos conjuntos, e reproduz muito bem a atmosfera da cena que se estabeleceu no rock brasileiro, tomando como parte importante do gênero musical no Brasil.

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  • Crítica | Faroeste Caboclo

    Crítica | Faroeste Caboclo

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    A saga amorosa de João de Santo Cristo e Maria Lúcia é uma das histórias que os fãs do rock brasileiro reconhecem de antemão.  Uma canção longa que narra como um épico as desventuras de um herói marginalizado buscando mudar de vida ao encontrar um amor.

    No 15º aniversário de morte de Renato Russo, líder da banda Legião Urbana, duas produções cinematográficas foram lançadas: Somos Tão Jovens, partindo do início da carreira do músico para biografá-lo, e Faroeste Caboclo, dando vazão a uma versão baseada na trágica história escrita por Russo.

    Composta em 1979, a canção foi lançada no quarto álbum da banda, Que Pais é Este? 1978 / 1987. Mesmo com duração extensa e palavrões, a canção conseguiu chegar até as rádios e se popularizou como um dos hits da banda. Renato Russo produz uma letra narrativa ambientada em Brasília. São 168 versos que narram as peripécias de João de Santo Cristo, uma espécie de anti-herói marginal que, na capital, vive um embate que culmina em morte.

    A produção cinematográfica tenta desmistificar os versos de Russo, dando consistência às personagens, com destaque maior para João de Santo Cristo. Os entornos pops da canção são deixados de lado para um retrato mais cru de um jovem que sempre viveu em condições paupérrimas. Nas telas, os atos de Santo Cristo – interpretado por Fabrício Boliveira -, que modificam sua vida, se tornam menos plásticos, retratando com maior realidade as verdades que a canção esconde pela poética.

    Trechos inferidos pelas metáforas de Russo se transformam em cenas que traçam a vida da personagem central: o pai de João, morto por um policial racista, a vingança tardia que Santo Cristo realiza ao matá-lo e a fuga que o fez chegar até o Distrito Federal.

    Para sustentar o roteiro, o espaço de Pablo – um neto bastardo de seu bisavô –, e de Jeremias – um traficante de renome – são ampliados e a corrupção policial aliada ao consentimento do tráfico de drogas na região serve de justificativa além do embate amoroso que surge entre os rivais por conta de Maria Lúcia.

    Ao acompanhar com certa fidelidade a letra, a história nunca parece desenvolver-se confortavelmente. Fazendo de muletas os acontecimentos breves escritos por Renato até o primeiro encontro de João com Maria Lúcia. Os eventos conhecidos do público se desenvolvem, mas parecem desconectados. João se transforma em um personagem sem um objetivo e nem mesmo seu papel de pária tem a carga dramática inferida no original.

    Maria Lúcia, interpretada por Isis Valverde, permanece como o estereótipo da garota mimada criada em apartamento pelo pai, um senador (o diretor Global Marcos Paulo em sua última interpretação como ator antes de falecer vítima de um câncer). Até o encontro do casal, as cenas com a garota são apáticas: ainda que em companhia da juventude de Brasília, é alheia ao círculo, como se não soubesse direito seu objetivo próprio.

    Quando suas vidas se cruzam por acaso, em uma das poucas boas cenas do roteiro – João, fugindo, entra no apartamento da garota – parte da história acontece sem nenhuma química. Não chega perto da relação arrebatadora que parecia na canção.

    Ao chegar ao embate final, uma das partes mais emblemáticas da música, as modificações estruturais para compor a cena prejudicaram o que poderia ser um bom duelo cênico, vindo direto dos western. A mão frouxa na direção realiza uma sequência de planos que não só altera a história como faz da batalha épica uma troca de tiros com baixa carga dramática.

    Se uma adaptação de um romance ou de outras literaturas sempre cai na difícil tarefa de selecionar elementos primordiais a serem apresentados no filme, Faroeste Caboclo se estende além da música quando tudo o que poderia ser dito está inserido na canção de nove minutos e três segundos. Se recordarmos de outra recente homenagem às canções de Russo, o comercial da Vivo feito para a internet no dia dos namorados, o qual recriou visualmente a história de Eduardo e Mônica, perceberemos que, se contendo ao tema da canção, a proposta do comercial foi mais eficiente.

    Apesar de destacar em seu cartaz que a inspiração do roteiro tenha vindo da canção, o que denotaria adaptações necessárias, a trama segue à risca a história da música, chegando a uma cena que repete até mesmo os versos originais que não soam bem em cena. Presos demais à música da Legião Urbana, o resultado é menos inventivo do que se esperava com o bom material original.

    A melhor parte se concentra nos créditos, quando a canção é tocada na íntegra e toda a história desnivelada se dissipa para a potência musical da banda.

     

  • Crítica | Somos Tão Jovens

    Crítica | Somos Tão Jovens

    somos tão jovens - cartaz

    Não há dúvida que o Somos Tão Jovens ganha um prestígio maior por ter uma “trilha sonora” tão conhecida. E, segundo informações da própria produtora do filme, todo o som foi captado no momento das gravações, ou seja, ao vivo. O que confere a verossimilhança necessária para fazer o espectador mergulhar no filme e curtir o som e a estória. Mas nem tudo são flores. Apesar do roteiro ser bem amarrado, não ter “barrigas” e balancear bem trama e música, a tentativa canhestra de inserir frases das letras da Legião nos diálogos não caiu nada bem. As falas parecem forçadas, como se os atores estivessem recitando um soneto de Camões. À parte isso, quando não tentam ser líricos e artificialmente poéticos, os papos entre os adolescentes têm naturalidade e um bom ritmo.

    Vale destacar a reconstrução da época, detalhada e bastante cuidadosa. Não só nos figurinos, penteados e cenários. Mas também os carros (placas inclusive), eletrodomésticos, bebidas, cigarros, até logomarcas de empresas que existem até hoje mas que tinham um layout diferente do atual – o caminhão de uma marca de sorvetes bem conhecida, cujo logo era amarelo, branco e azul marinho, despertou boas lembranças. Pode parecer pouco importante, mas o cuidado com esses pequenos detalhes garante que o espectador não se veja saindo do universo do filme ao perceber algo “mais moderno” que a época retratada.

    A escolha do elenco também foi cuidadosa. Thiago Mendonça, de forma quase assustadora, lembra demais Renato Russo. Em certo momento do filme em que o ator está barbado, a semelhança é ainda mais impressionante. E não é apenas física. Os maneirismos, o jeito de andar, de mexer nos óculos, de falar – está tudo lá. Mas nem todos os atores são sósias de seus personagens, mas nem por isso menos identificáveis. Edu Moraes, por exemplo, está longe de parecer Herbert Vianna. Porém os óculos são inconfundíveis, e Moraes consegue reproduzir a maneira de falar e os trejeitos de Herbert de modo bastante fiel. O restante do elenco também tem boas atuações, com exceção de Sérgio Dalcin (como Petrus) que não consegue dar credibilidade ao personagem ao não se decidir o quão carregado deve ser seu sotaque gringo. Contudo, sua participação é curta, e não chega a prejudicar muito.

    Mais que acertada a decisão de não retratar a vida de Renato Russo, mas sim a de Renato Manfredini Júnior. Acompanhar a gestação de uma das melhores bandas dos anos 80 é algo que prende a atenção do público, sendo ele fã ou não da banda. Afinal, gostando ou não, difícil algum espectador que não tenha ouvido, ao menos uma vez, alguma música da Legião Urbana. E, para os leigos, ou melhor, para os menos fanáticos, é interessante descobrir que os primeiros grandes sucessos da banda vieram dessa fase pré-Legião. E mais interessante ainda, perceber de onde veio o ímpeto criativo de Renato, a habilidade de contar estórias numa letra de música e, ao mesmo tempo, refletir os pensamentos e conflitos da sua geração.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.