Crítica | O Escaravelho do Diabo
Invocando o saudosismo através dos livros infanto-juvenis da Série Vaga-Lume, que foi muito popular a partir dos anos 1970, O Escaravelho do Diabo é o filme de estreia de Carlos Milani, adaptando a obra literária da mineira Lúcia Machado de Almeida. A intenção do filme é derrubar o paradigma de que o cinema brasileiro não consegue trabalhar bem com diversos gêneros, dando vazão a uma história de investigação policial voltada para os infantes.
A história é contada através da vivência de Alberto Maltese (Thiago Rossetti), um menino que vive com seu irmão mais velho Hugo (Cirillo Luna), mentor e figura mais próxima da paternidade do garoto, uma vez que este é órfão de pai e sua mãe está longe. A idade dos irmãos é invertida, já que no livro Hugo é o caçula, e cabe ao primogênito fazer as investigações em torno dos estranhos assassinatos de pessoas ruivas na cidade, incluindo aí um dos irmãos Maltese. A desculpa utilizada para a característica enxerida do rapaz é um déficit de atenção, que no roteiro não é bem estabelecido nem como resposta médica oficial, e nem como desculpa do garoto para sua falta de atenção geral.
Quando o menino vê seu irmão assassinado, há um contato estranho com o indelicado delegado Rubens Pimental, com um Marcos Caruso que repete muitos trejeitos de seu papel em Operações Especiais, inclusive pela falta de naturalidade de seu linguajar e comportamento cotidiano. O problema, tanto com seu personagem quanto com o argumento adaptado por Ronaldo Santos e Melanie Dimantas, é a completa falta de naturalidade agravada pela fraca direção de Milani, que conduz o longa como se fosse responsável por uma das novelas que costumava filmar, com direito a aparições relâmpago de personagens prejudicados intelectualmente e a videoclipes péssimos que se fazem incapazes de se levar a sério.
O menino, na ânsia por ter provas para fazer assertiva em sua teoria, rouba provas bem abaixo dos olhos dos policiais e não há qualquer consequência para isso, nem descrédito a respeito do testemunho de uma criança. Vale das Flores parece uma cidade habitada por pessoas inábeis, por isso um garotinho mais inventivo consegue ter intelectualidade superior a de jornalistas, advogados, padres e policiais, e isso é vergonhoso, em qualquer instância, ainda mais vindo de um filme que pretende ser sério.
O potencial da trama é desperdiçado, tanto na gravidade dos assuntos tratados, como em questões de saúde relativas à doença degenerativa de Pimentel, e também como na óbvia discussão envolvendo os homicídios e a perseguição. O conteúdo prometido desde o início do filme é só sugerido, nunca aprofundado.
Com todos os defeitos de concepção – e não são poucos – O Escaravelho do Diabo serve apenas como uma base interessante para futuros lançamentos, ainda que sua versão final tenha se perdido quanto ao gênero, já que o personagem misterioso de Lourenço Mutarelli tem muito mais a ver com um assassino slasher do que com um simples serial killer que assombra pessoas com as mesmas características capilares, inclusive rompendo a própria promessa ao final. O desfecho gera ambiguidade, com a possibilidade de prosseguir em uma continuação. Porém, para fazer sentido, a obra deveria ter um texto mais maduro e que apelasse menos para coincidências, mesmo em se tratando de um objeto para o público infanto-juvenil.