Crítica | Beatriz
Promessa de filme interessante, especialmente graças à curiosa premissa e a sua estrela maior, Beatriz de Alberto Graça (diretor de O Dia da Caça e Memórias do Medo) se perde em sua abordagem, especialmente por um roteiro confuso mexido por seis mãos – além de Graça, Marcos Bernstein e José Carvalho – e que não sobrevive aos maus momentos, mesmo com a inspiração ímpar de Marjorie Estiano.
A personagem-título contém uma complexidade tão inédita que não encontra eco em qualquer outro ser. Sua personagem se baseia em um romance com Marcelo, executado porcamente por Sergio Guizé, que somente repete lugares comuns, computando a si os piores diálogos e atitudes mais odiosas do argumento.
A história se passa na Europa, entre Portugal e Espanha basicamente. O casal apaixonado está prestes a ter um filho, e busca manter acesa a chama inicial. Marcelo trabalha escrevendo, entregando contos literários para uma publicação, ofício que garante uma renda que contribui minimamente para o orçamento pensado por sua esposa, para finalmente dar luz à criança.
O destino de ambos mudam quando o homem decide, unilateralmente, ceder aos encantos de um editor basco, que o convence a produzir um novo romance “baseado”, entre muitas aspas, na própria vivência do casal. O caráter do filme passa por uma tentativa de amadurecimento, que infelizmente não encontra eco no confuso argumento.
A ideia primária é curiosa e bastante criativa, mas o texto final peca por não saber encaixar os seus eventos chave. A metalinguagem da encenação de uma peça, que adapta o romance original, é piegas e demasiado explicativa, o que emburrece demais o argumento. Apesar do deslumbre visual e dramatúrgico de Estiano, não há mais qualquer atuação que se destaque, ao contrário, todos os personagens parecem alienados, como se o filme só funcionasse para Beatriz, justificando a nomeação do longa.
A misantropia presente no jogo de cenas entre Marcelo e Beatriz pode fazer o público se confundir, achando que a trama é machista, especialmente por ser a mulher o principal alvo das escoriações físicas e de alma, mas não há exatamente misoginia nas palavras do roteiro, e sim um ódio geral pela humanidade que se manifesta mais na carne de Beatriz, mas que é mal orquestrado dentro do produto final.
A ideia transgressora tem uma execução moralista, com um texto esquálido e que não entrega o que promete. O que sobra na encenação são vazios de conteúdo, exatamente no personagem que deveria ser o mais profundo e complexo. O personagem de Guizé é certamente o maior equívoco da película, com uma incrível personificação do “intrigante homem desinteressante”, apesar de ser ele o segundo pilar do filme. A fotografia bonita não consegue salvar a sapiência do script, tampouco transforma-o em algo além do ordinário.