Crítica | Sob Total Controle
Sob Total Controle é um dos filmes da mostra internacional do É Tudo Verdade. O documentário ficou conhecido mundialmente por expor os podres do governo de Donald Trump ao lidar com a pandemia de Covid-19. Dirigido pelo trio Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger, a produção, além de informar sobre a cobertura de uma pandemia, também serve de comentário metalinguístico, mostrando as dificuldades de uma equipe de filmagem em fazer um filme com o isolamento social dos entrevistados e de pessoas ligadas aos fatos.
Dois elementos saltam aos olhos do espectador logo de cara: a primeira é a narração que poderia causar incomodo mas, dado o modo lunático como os EUA lidaram com a pandemia em seu início, se faz necessária. Pois as imagens sozinhas talvez pudessem elucidar o suficiente, sendo necessária a exposição. A outra questão curiosa são as cenas de negacionistas ignorando ou agredindo pessoas comuns em mercados, lojas e afins. Agindo de maneira covarde e perigosa do ponto de vista sanitário, cenas que não nos chocam tanto por sabermos que em nosso país a ações ainda piores.
Para as futuras gerações, especialmente para alguém que não sabe pouco respeito desses tempos de pandemia em 2020-21, o documentário será um bom ponto de partida sobre o impacto mundial da Covid. Pois detalhe bem os acontecimentos, incluindo o primeiro surto em Wujan na China, com direito a entrevistas com o até então presidente americano. Uma das problemáticas que o diretor lida nessa obra é sobre o futuro, a evolução da doença, suas mutações e demais aspectos impossíveis de prever, determinando como ainda é incerto o futuro após o impacto dessa doença.
Além disso, o documentário também mostra como o estado norte americano surpreendeu a comunidade mundial negativamente, colocando Robert Redfield, um virologista controverso, a frente de organizações como o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). As frases polêmicas do virologista são anteriores a pandemia. No primeiro surto de HIV sugeriu uma medida religiosa de celibato para evitar a propagação da AIDS. Demonstrando como fundamentalismos são tão perigosos como doenças. Outro exemplo negativo é a entrevista com Vladimir Zelenko, o sujeito que descobriu a hidroxicloroquina como forma de lidar com a doença nos Estados Unidos. O mesmo medicamento que não tem qualquer comprovação contra o vírus e que ainda é defendido pelo governo brasileiro como parte do fajuto tratamento precoce para coronavírus.
Assistir Sob Total Controle causa um pouco de agonia, ainda mais em plateias mais sensíveis. A série de eventos que poderiam ajudar a evitar a catástrofe são inúmeras, e ver como as autoridades foram ou passivas ou deliberadamente mesquinhas e desonestas em nome de qualquer ideologia irrealista é desolador. As coletivas de imprensa, então, são um show a parte. Enquanto o imunologista Dr. Anthony Fauci falava para as pessoas não irem para lugares de fácil aglomeração, a equipe econômica de Trump o contradizia na mesma entrevista. É tragicômico, e incomodamente semelhante ao que ocorreu no começo da pandemia no governo brasileiro e nos choques entre Henrique Mandetta, o ministro da Saúde, e o presidente do Brasil Jair Bolsonaro. A imitação é barata e triste.
O documentário tão intenso que chega a ser tragicômico. A adjetivação poderia soar como pejorativa, mas não é. Para qualquer analista que vive em um cenário ainda tão assolado por essas questões certamente se sensibilizará com o olhar desesperado dos entrevistados. Olhares honestos de pessoas da indústria médica ou farmacêutica que falam a respeito dos esforços para driblar o governo a fim de dar alguma segurança ao povo.