Resenha | Peninha 50 Anos
O mais versátil personagem Disney dos quadrinhos ganha uma edição comemorativa no seu aniversário de 50 anos de criação. Peninha, o primo estabanado do Pato Donald, surgiu nas páginas da revista italiana Topolino, em 1964 – dois anos antes de estrear em terras ianques. Criado por Dick Kinney e Al Hubbard, suas histórias se tornaram populares na Europa e na América Latina, sendo pouco conhecidas nos Estados Unidos. No Brasil, ganhou popularidade nas décadas de 1970 e 1980, quando muito do que conhecemos sobre o pato cuca-fresca foi criado nos estúdios da Editora Abril. Seu sobrinho endiabrado Biquinho, seu alter-ego Morcego Vermelho e suas inúmeras encarnações nas páginas do jornal A Patada (Pena Kid, Pena Submarino, Pena das Selvas, entre outros), são todas criações tupiniquins, e algumas continuam até hoje aparecendo em histórias italianas.
Essa edição toma emprestada a estrutura de Urtigão 50 Anos, separando as histórias em três fases: Americana, Italiana e Brasileira. A Fase Americana conta com as histórias mais antigas do volume, sendo a maioria desenhada por Tony Strobl. Vemos aqui a conturbada gênese de Peninha, pois suas primeiras duas histórias se contradizem em termos de continuidade. Pura bobagem, claro, uma vez que continuidade não é lá um grande pré-requisito nos quadrinhos Disney. Peninha é apresentado como um beatnik, um reflexo da época em que foi criado, contrastando com seu primo Donald. Desleixado, não se preocupa com o dia de amanhã e vai vivendo no improviso, fazendo Donald passar por situações bastante inusitadas.
A Fase Italiana mostra as histórias mais recentes do personagem, visto que essas ainda são produzidas por lá. É interessante notar que, nas histórias mais antigas, procuravam manter os traços característicos de Hubbard, enquanto nas mais recentes os artistas italianos tomaram muito mais liberdade, tanto no design do personagem quanto na narrativa. Peninha, sempre tagarela, protagoniza uma série em que sequer abre o bico para proferir uma palavra! São também dessa fase as gags de uma página só, com situações do cotidiano. Como na maioria das histórias italianas da família pato, o ritmo é acelerado e o visual exagerado, proporcionando umas boas risadas ao leitor.
Mas a melhor parte é, com certeza, a Fase Brasileira. De primeiras histórias modestas, os criadores nacionais demonstram desenvolver uma intimidade sem igual com o personagem, proporcionando o melhor material dessa coletânea. Se os primeiros artistas emulavam o traço de Tony Strobl para o pato, aos poucos foi se criando uma identidade nacional bastante perceptível e com um alto nível de qualidade nos desenhos! Carlos Edgard Herrero e Irineu Soares Rodrigues traduzem em expressões corporais e faciais todas as características do Peninha.
Nessa fase, surgem as criações de Peninha para a sessão de quadrinhos do jornal A Patada: Pena Kid, uma paródia dos cowboys de westerns com seu Cavalo de Pau; Pena das Selvas, uma versão bastante escrachada do Tarzan; Pena Gordon, paródia da ficção-científica pulp de Buck Rogers e Flash Gordon; Pena Submarino, versão patopolense do Príncipe Namor; Indiana Pena… Enfim, Peninha se encaixa em qualquer versão de qualquer personagem que fizesse sucesso no passado. Se nas primeiras histórias desse tipo o começo e final mostravam a prancheta de desenho do Peninha, com o tempo isso foi sendo deixado de lado para dar mais fluidez à história em si.
A fase Brasileira toma metade das páginas dessa edição, mas não é de se estranhar. O volume de material nacional é bastante vasto, uma vez que Peninha chegou a ter uma série própria de revistas em quadrinhos, que contou com 56 edições quinzenais entre 1982 e 1984.
Além dos heróis “inventados” por Peninha, vemos também duas histórias com seu alter-ego, o Morcego Vermelho, a primeira aparição de Biquinho e uma história de 1984 que comemorava os 20 anos do pato amalucado.
Mais uma vez, fica nítido que os roteiristas e desenhistas da época não se importavam com continuidade. As duas primeiras histórias da fase Americana contam, de forma diferente, a primeira aparição do Peninha, sendo que Donald afirma em uma delas não ver seu primo desde que eram crianças. Já na última história, os dois cresceram juntos. Soma-se a isto a história de origem do Biquinho, que, segundo Peninha, é filho de sua irmã – o que contradiz a Árvore Genealógica da Família Pato, criada por Keno Don Rosa, que não faz nenhuma menção a essa suposta irmã. Mas esses detalhes não tiram a graça e o carisma do personagem, que se mantém firme nas publicações inéditas italianas e, no Brasil, sustenta-se em reedições de sua fase áurea.
Peninha 50 Anos ainda apresenta três textos informativos no início de cada fase, escritos por Marcelo Alencar, que nos mostra algumas curiosidades dos bastidores da produção, além de depoimentos de dois artistas que trabalharam com o personagem, e uma ilustração inédita de Herrero feita especialmente para esse volume. Para fãs de HQs Disney, suas 300 páginas são um deleite de histórias divertidas e descompromissadas. Tal qual o personagem-título!