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  • Crítica | O Beijo da Mulher-Aranha

    Crítica | O Beijo da Mulher-Aranha

    Dos filmes que não têm óbito, muitos são brasileiros e a maioria, desconhecidos pelo próprio acervo cultural do país, vulgo nômade de uma miscelânea de culturas que quase nunca conseguiu se inserir nas formalidades europeias. Como se formalidades no Brasil fossem sinônimos de redução – monocromia – ao sentido das cores e contradições da nação. A maioria dos diretores brazucas descobre essa informalidade generalizada, esse jeitinho brasileiro de dar bom dia às artes, antes ou durante a compreensão de que todo artista verde e amarelo é um complexado, em geral pela carência nacional de seriedade em certas regências e, em alguns casos, pelo complexo de não conseguir traduzir em longo prazo a essência do que e de quem estimula essa terra a ser o embalado de poucos filmes capazes (indiscutivelmente brasileiros, ainda que universais na digestão das mensagens) de condensar delírios nacionais de dimensões continentais.

    Fica irônico então mencionar um argentino chamado Hector Babenco como responsável por vários dos mais reconhecidos filmes modernos brasileiros, mundo afora. Mas eis o fato. O diretor de O Beijo da Mulher-Aranha, um dos pontos altos da sua carreira logo após a arquitetura do seu maior filme, Pixote: A Lei do Mais Fraco, assume de vez seu fetiche por celas nesse drama psicológico e todo excêntrico (de dar gosto) entre dois prisioneiros opostos e complementares, fadados ao quadrante que lhes é permitido num espaço de descobertas. Nesse palco de experiências humanas e mais do que humanas, um foi preso por ser LGBT. O outro por ser subversivo também, mas em termos políticos mais típicos dos anos oitenta, no Brasil. Nesta cela suja e imunda, onde os imorais da sociedade moral e de bons costumes são jogados, Luis e Valentim provam tanto da repressão que os une, quanto das diferenças chocantes entre ambos. Dos costumes distintos de um jornalista caribenho que falou demais, e de um americano cujo único crime foi ser homem de menos, num show de atuações de Raul Julia e William Hurt, esse último vencedor de um Oscar por sua atuação aqui mais do que impecável.

    Dentre as temáticas aqui debatidas, ais quais se destacam as diferenças entre dois prisioneiros (num calabouço que parece suspenso no tempo), e o escapismo existencial que pode se criar no encarceramento, a impressão que dá é que Babenco, o cosmopolita sem fronteiras, constrói e reforça a cada cena um filme genuinamente realista e estranho, mas irresistivelmente sedutor e emocionante – um dos melhores da década de 80, aliás. Aqui, a essência ilusória e sonhadora do Cinema entre na cela dos condenados feito a planta fresca cortando o asfalto cru, enquanto Luis alimenta seus sonhos irreais para não deixar a realidade sufocar sua identidade sensível, no contraponto a Valentim, sempre preocupado com a constante promessa de ter sua cabeça levada a guilhotina. Sob o realismo cinza, crescem as cores das oportunidades que a vida lhes (nos) reserva, mesmo em cenários de grande retidão e desolação humana.

    Uma história que dialoga tanto às ditaduras latino-americanas, e que remete (e muito) ao fantástico Acorrentados, de 1958 – filmaço americano cuja força do roteiro é maior que qualquer outra coluna da produção, com o ranço e outras questões psicológicas que a escravidão e o seu fim, ainda recente na época, trouxeram a luta de raças sendo fisicalizadas ali por uma simples e emblemática algema entre um negro, e um branco, soltos por ai. Aqui, em O Beijo da Mulher-Aranha, dada a condição de penitência, a América Latina explode em cores e sotaques, mas além disso, a liberdade está no sonho, e se desdobra no surreal, na promessa não da guilhotina ao jornalista, ou da violência ao gay, mas de uma possível liberdade além das grades para poderem ser o que quiserem. Todo o resto, evidencia o filme, merece e deve ser enfrentado. O ser humano nasceu para a liberdade afim de se manter são e salvo. E a quem não sente falta de Babenco no Cinema nacional, sente sem perceber.

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  • Crítica | Street Fighter: A Batalha Final

    Crítica | Street Fighter: A Batalha Final

    A adaptação do mais notável jogo de luta da Capcom começa com um letreiro horroroso, anunciando Jean Claude Van Damme como o herói do filme – que por sua vez, faz o Coronel William Guile – e Raul Julia como segundo papel mais importante, o vilão e chefe da Shadaloo General M. Bison. Logo, Ming-na Wen aparece como a repórter de guerra, Chun Li, para depois mostrar-se Andrew Bryniarski, como o capanga Zangief. Isso tudo ocorre com aproximadamente três minutos de exibição, onde já se descaracteriza todo o cânone e história desses personagens.

    Na pequena introdução, também se mostra E. Honda (Peter Navy Tuiasosopo) como operador de televisão havaiano – ele é japonês no jogo – e Balrog (Grand L. Bush) como cameraman. Daí, se seguem outras tantas liberdades poéticas, inclusive com a fusão dos background de Blanka e Charlie, no papel de Robert Mannone, e a aproximação de Kylie Minogue como Cammy. Os cenários parecem com o que era visto nos piores filmes produzidos por Roger Corman, com a exceção que os filmes referenciados têm algo a falar ou a acrescentar, enquanto esse só parece um teatro de bonecos feito por homens de meia-idade.

    Shadaloo é uma cidade cheia de estereótipos, habitada por pessoas igualmente caricatas, como a apresentação esdrúxula de um arco sobre contrabando de armas, capitaneada pelos lutadores Ken (Damian Chapa)  e Ryu (Byron Mann), que faziam negócios com o contrabandista Sagat, interpretado por Wes Studi, um sujeito baixo, ao contrário do mestre de muay thai, que tinha mais de dois metros, e que recebe seus parceiros de negócios com armas que jogam bolinhas de brinquedo.

    Quase tudo no filme é risível e explicito, em especial a experiência conduzida por Dhalsin (Roshan Seth) que faz o experimento que transforma Charlie em Blanka, imitando alguns aspectos de Laranja Mecânica. A falsa morte de Guile também beira o ridículo, só não é mais mal feita do que o cabelo ruivo tingido sobre a cabeça do mestre em spakhati.

    Steven E. De Souza dirige seu primeiro longa solo e consegue conceber um dos piores textos já vistos no cinema de ação,mesmo que em seu currículo haja participações nos roteiros de Duro De Matar, O Sobrevivente48 Horas. Esse novo filme se assemelha mais a condição paupérrima em que escreveu Comando Para Matar, junto ao escritor de quadrinhos Jeph Loeb.

    Apesar de adaptar o jogo Street Fighter 2, esse filme faz mais jus à outra franquia, em especial quando aparece a lancha das forças unidas contra a Shadaloo, com um veículo tão mal feito que parece um brinquedo de Comandos em Ação – Gijoe só que em tamanho real.

    Obviamente que a pecha de cinema de autor foi alcunhada para obras mais inteligentes e inventivas, mas Street Fighter aparentemente é realmente uma obra própria de Souza, a despeito até do produto que o originou, tanto no quesito liberdades narrativas quanto na profusão de péssimos estereótipos, com T. Hawk (Gregg Rainwater) reduzindo a crença religiosa indígena há um simples amuleto da sorte, como a faixa do cherokee, até a visão limitada de Guile, que decide assassinar Blanka, só porque ele tem uma aparência monstruosa.  O texto ainda tem a audácia de fazer uma piada na luta entre Honda e Zangief, colocando sons iguais ao dos filmes com Godzilla.

    A famigerada batalha final é terrível, primeiro com a tatuagem da bandeira americana no bíceps do astro marcial belga, segundo com a mudança drástica de físico e visual de Bison, com um dublê que não tem qualquer semelhança com Julia. O contexto piora, quando se nota a pretensão de ser este um filme anti-guerra. Há de se escolher o que é mais risível, o retorno dos mortos de personagens, entre eles o protagonista, que causa choro na sua parceira Cammy, a redenção de Zangief que se torna um cara bonzinho, o modo como Sagat e DeeJay (Miguel A. Núñez Jr.) tentam roubar o dinheiro de seu chefe, o fato de Blanka e Dhalsim decidirem morrer sem nenhum remorso, ou por fim, a pose no final após uma explosão como os seriados de Power Rangers.

    Ainda há no final, uma tentativa de gancho para continuação, com uma cena pós-crédito mais desonesta e pedante que o total dos 102 minutos do filme que Souza orquestra. Quase nada em Street Fighter funciona, ao menos em Mortal Kombat, filme do ano seguinte, as coreografias de luta são bem feitas, aqui não há apuro visual ou sequer atores comprometidos em fazer um produto palatável para o público voltado a filmes de kickboxer, tampouco com quem é aficionado por videogames. O que se vê é uma obra completamente baseada em um teatro infantil que tem cenários dignos de risos e atuações envergonhadas da parte de quem participa, sem exceção nenhuma. Mesmo Van Damme parece estar anestesiado, visto que seu personagem não consegue distinguir nem o certo do errado, quando se depara com a morte iminente do amigo, há poucos filmes tão equivocados quanto esse, sendo portanto uma pérola entre as adaptações de videogame para o cinema.

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  • Crítica | Rookie: Um Profissional do Perigo

    Crítica | Rookie: Um Profissional do Perigo

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    No início da década de 90, o cinema parecia estar empesteado de “buddy cop movies”, aqueles filmes policiais que mostravam uma parceria improvável entre dois tiras totalmente opostos (ou um tira e um malandro) que terminava por se tornar uma grande e fraterna amizade. Rookie – Um Profissional do Perigo deveria ter sido rodado em 1988 e estrelado por Gene Hackman e Matthew Modine, mas o projeto foi enterrado devido a uma greve do sindicato de atores. Em 1990, o projeto foi ressuscitado e Clint Eastwood topou dirigir em troca do financiamento de O Destemido Senhor da Guerra. Ainda que seja um filme menor e irregular de Clint, Rookie ainda é uma boa diversão.

    Na trama, Eastwood interpreta o veterano. detetive Nick Pulovski. Juntamente com seu parceiro Powell, ele investiga uma quadrilha que rouba e contrabandeia carros de luxo liderada por um criminoso alemão (não é piada, o criminoso é alemão!) vivido por Raúl Juliá. Após um encontro com a quadrilha que culmina em um perseguição automobilística, Powell acaba morto e Pulovski é tirado do caso. Logo depois, o novato David Ackerman, vivido por Charlie Sheen, é designado como seu novo parceiro, e o veterano Nick resolve se aproveitar da situação para continuar investigando a quadrilha, mas sem explicar exatamente ao seu novo colega sobre toda a situação.

    O trabalho de Eastwood na direção não é dos mais brilhantes, porém é competente. O roteiro, idealizado por Boaz Yakin e Scott Spiegel, é interessante e o eterno Dirty Harry orquestra muito bem algumas cenas de ação, principalmente a grande perseguição na rodovia. Com um ótimo uso de efeitos práticos e dublês, Clint consegue imprimir grande realidade à cena. Entretanto, a escolha dele por um casal latino (Raúl Juliá e Sonia Braga) para interpretar criminosos alemães é um tanto quanto inexplicável e acaba por imprimir um aspecto meio trash à fita. A polêmica cena de estupro em que a personagem de Sonia força Clint a manter relações sexuais com ela, apesar de controversa e de até hoje dividir opiniões, foi filmada de uma maneira que não a deixou de mau gosto ou gratuita.

    A interpretação de Clint para o policial Nick Pulovski nada mais é que um eficiente feijão com arroz. O ator/diretor cria um tipo durão e obstinado, bem semelhante a outros papéis de sua extensa filmografia. Já Charlie Sheen cria um tipo bem interessante. Seu David Ackerman começa o filme como um cara mimado e meio abobalhado, além de atormentado por um trauma do passado. Entretanto, o personagem vai evoluindo, se tornando durão e se aproximando muito da persona do personagem de Eastwood. É muito legal observar a relação paterna que vai se desenvolvendo entre os dois policiais, relação essa que extrapolou as telas de cinema, uma vez que Sheen vivia problemas com drogas e bebidas e Clint se tornou uma figura paterna para Charlie, o orientando e disciplinando durante as gravações e no seu dia-a-dia. Apesar da sua escolha equivocada, Raúl Juliá defende com muita dignidade o seu papel e Sonia Braga faz uma femme fatale muito sensual em ótimas cenas de ação.

    Ainda que não seja um dos filmes memoráveis de Clint Eastwood, Rookie é uma ótima diversão que demonstra que um grande diretor consegue bons resultados mesmo quando não está em seus melhores momentos.