Review | Death Stranding
Muitos se lembram dos atritos entre Hideo Kojima e a empresa Konami. Após o lançamento do maravilhoso Metal Gear Solid V, Kojima deixa a empresa e, quase que imediatamente, anuncia um novo jogo com a participação de Norman Reedus (conhecido pela série The Walking Dead) e Guillermo Del Toro. Ambos fariam parte de Silent Hills, projeto sumariamente engavetado pela Konami que teria Kojima à frente. Após diversos teasers malucos e alguns vídeos de gameplay, quatro anos se passaram e finalmente Death Stranding vê a luz do dia. A repercussão foi bem dividida, e não podíamos esperar algo diferente.
O jogo traz impressões e emoções muito diversas. Ao mesmo tempo que temos a narrativa competente de Kojima, o jogo em si desafia a paciência do jogador.
Mas afinal, o que é o jogo? A internet, com sua zoeira habitual, definiu-o como um “Correio Simulator”, e convenhamos, não está longe da verdade. A premissa básica é ir ao ponto A, pegar uma carga e levar ao ponto B. Para não sermos injustos, existem variações nessa premissa, às vezes para coletar alguma coisa em determinado lugar, ou até se infiltrar num acampamento de terroristas para recuperar algum item (aqui você pode tentar metralhar todo mundo ou se valer da furtividade). Nestes quesitos, o jogo é muito competente. Suas mecânicas funcionam e permitem diversas formas de jogar. Porém, partes de ação e combate são a exceção.
Porém, a mecânica principal envolve a entrega de cargas. Enquanto percorre os longos caminhos a pé, em terrenos bem acidentados, íngremes e repletos de rochas, você precisa fazer algo importantíssimo: se equilibrar! Sim, o personagem vai perdendo o equilíbrio, perdendo para algum lado. Cabe a você utilizar os botões R2 e L2 para se manter em pé. Quanto mais peso você carrega, e quanto mais íngreme ou acidentado for o terreno percorrido, mais fácil você perde o equilíbrio. Não é tão difícil fazer isso, apesar de que, em determinadas situações, a queda é quase inevitável. O jogo soube usar a raiva do jogador para trazer sensações de alívio, uma vez que, logo após uma missão no começo do jogo, onde você precisa carregar uma pesada carga por uma distância enorme, é habilitado um equipamento que permite andar mais rápido e se manter mais equilibrado. Mas não me surpreende se alguém desistir do jogo antes de adquirir tal equipamento, vez que o início é bem monótono e, por vezes, frustrante.
O jogo se passa nos Estados Unidos de um mundo pós-apocalíptico onde um evento denominado Death Stranding trouxe caos e destruição ao mundo. Uma organização está tentando reconstruir o país com a ajuda do governo (ou o que restou dele), e você será uma peça fundamental dessa reconstrução, afinal está levando suprimentos e materiais para novas pesquisas e até alimentos para outras cidades se manterem. Mesmo destruído, o mundo conta com uma tecnologia avançada de construção e comunicação.
Apesar de vazio, o mapa a ser explorado é muito grande. O relevo é quase um personagem, sendo claro a qualidade do level design. Mesmo em missões em que você percorre o mesmo caminho, eventualmente utilizará outra rota, tornando a experiência diferente. E isso é o espírito do jogo, algo minimalista e jornadas solitárias – às vezes aparecem companhias desagradáveis que trazem um ar de quase terror.. O clima de solidão lembra um pouco Shadow of the Colossus, mas de vez em quando, em momentos específicos, somos brindados com uma bela música aleatória, na maioria das vezes da banda Low Roar. Temos a impressão que a atmosfera do jogo foi feita com base nas músicas do Low Roar, pois criou-se um aspecto de familiaridade impressionante. Uma simples música tocada durante uma longa caminhada já traz um sentimento de recompensa. Pode não ser o suficiente para boa parcela dos jogadores.
Mesmo na constante solidão, não pense que você é o único entregador. Os outros jogadores interagem com o seu jogo, ainda que de forma indireta, mas te ajudarão a entregar alguma carga que você perdeu, ou mesmo na construção de estruturas que ajudarão em sua jornada (pontos, estradas, abrigos, escadas, cordas de escalada). Além disso, é possível deixar placas para sinalizar algo ou simplesmente pela zoeira. Tendo em vista que o tópico principal do jogo é a conexão, os jogadores podem curtir as estruturas dos outros, como se fosse uma rede social (é claro que o Kojima vai fazer algumas brincadeiras com isso ao longo do jogo). É uma forma interessante de utilizar os recursos online de jogo, lembrando vagamente as mensagens deixadas pelos outros jogadores em Dark Souls.
Sobre o aspecto visual, o jogo está lindo. Os cenários foram bem construídos e trazem muita realidade ao jogo. A modelagem dos personagem, especialmente do protagonista, tem um nível de realismo e detalhes impressionante. As cutscenes são um show à parte, com movimentos e expressões muito fluidas e realistas. Vale destacar as presenças de Mads Mikkelsen e do onipresente Troy Baker, além de vários outros rostos conhecidos.
Talvez você esteja se perguntando: se o jogo em si não é tão divertido, a história compensa? Infelizmente, não. A narrativa é muito boa, o mundo é interessante, há uma vontade de saber o que vai acontecer, mas ao final, não pareceu suficiente. Então a história é ruim? Não! Mas as comparações com Metal Gear são inevitáveis (e digo em termos de qualidade, reviravoltas e coisas instigantes, pois a pegada aqui é muito diferente). Parece que Kojima tentou fazer algo mais intimista, que traga reflexões sobre outras questões profundas. E sim, a história tem muita qualidade Talvez faltou mais impacto.
Como puderam notar, o jogo tem altos e baixos. O jogo não parece comercialmente apelativo. Na verdade, ele tem tudo que um jogo comercialmente promissor não pede. Mas, se relembrarmos o início de sua carreira, Kojima propôs, em 1987, um jogo onde fugir e se esconder é melhor que matar, o que ia na contramão do senso comum. Muitos não botaram fé no jovem Hideo, mas o jogo acabou saindo e fez história Foi o primeiro Metal Gear. Aqui, Kojima quis criar um novo gênero, trazer algo diferente, e até conseguiu. Death Stranding tem um quê diferente dos outros jogos, isso é fato. Se isso é bom ou ruim, cabe ao jogador decidir. Fica muito difícil recomendar este jogo por causa de sua morosidade e proposta. Mas, relembrando tudo que fiz nas mais de 40 horas, tiveram momentos interessantes que trouxeram emoções variadas (satisfação, raiva, frustração,). É um jogo contemplativo para quem tem paciência.