Crítica | Medo da Verdade
Após um desgaste em sua carreira de ator, Ben Affleck decidiu se reinventar, dessa vez de maneira distinta do habitual, e acabou coescrevendo e dirigindo seu primeiro longa-metragem. Baseado no romance de Dennis Lehane, Gone Baby Gone, Affleck retrata as agruras do comportamento humano, em um thriller policial desesperançoso e melancólico.
A adaptação cinematográfica da obra literária de Dennis Lehane traz um comparativo direto com o longa-metragem Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, também de Lehane, ambos os diretores abordam a realidade de uma comunidade americana que está à margem da sociedade, repleta de seres marginalizados pela classe mais favorecida, e construindo assim, um viés sob a ótica desses personagens.
Medo da Verdade traz como plano de fundo o desaparecimento de uma garotinha de 4 anos em um bairro do subúrbio de Boston. A investigação policial, coordenada pelo Capitão Jack Doyle (Morgan Freeman) e conduzida pelos investigadores Remy (Ed Harris) e Nick (John Ashton), não vem obtendo êxito no bairro, já que existe um código de silêncio que não pode ser quebrado por um fator externo. Por isso, os tios da menina decidem contratar uma dupla de detetives particulares da região que teriam contatos e informações que a polícia não teria acesso. Os dois detetives, Patrick (Casey Affleck) e Angie (Michelle Monaghan) aceitam o caso e imergem intensamente na investigação.
A trama traz um thriller policial em sua essência, no entanto, assim como Eastwood em ‘Sobre Meninos e Lobos’, ou Scorsese em Ilha do Medo (também adaptado da obra de Lehane), Affleck usa o gênero para discutir outros temas. Conflitos sobre moralidade, religião e ética estão presentes de forma visceral nesta obra de Affleck.
Os personagens da trama são todos extremamente bem construídos, profundos, reflexivos e repletos de nuances. Suas atuações eficazes carregam o longa dentro da atmosfera densa proposta pelo filme, tudo isso aliado a fotografia acinzentada e opaca da noite, que envolve suas personagens nas sombras, e a saturação amarelada do dia dos subúrbios de Boston. A direção de arte que confere veracidade a essa degradação proposta pelo filme, seja nos ambientes residenciais fechados ou nas ruas do bairro.
Ben Affleck em sua estreia na direção, demonstra uma incrível habilidade em realizar uma desconstrução de valores e conceitos, colocando em xeque nossos ideais e questões éticas contra a parede à todo instante. Até qual ponto a verdade será a melhor de nossas escolhas? Quão frágil é nossa percepção sobre o que é certo e errado? Um excelente trabalho de estudo de personagens e de um grupo social.
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