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  • Resenha | A História Mais Triste do Mundo

    Resenha | A História Mais Triste do Mundo

    O gaúcho Eduardo Medeiros, autor da aclamada Open Bar, lançou no ano de 2014 uma história curta, na qual seus dotes de ágil contador de histórias foram primariamente exigidos. Publicando de forma independente, através do selo Stout Club, A História Mais Triste do Mundo narra a história de Matias, um jovem protótipo de punk, anarquista e revoltado com o sistema, tentando conquistar o amor de Maria.

    Criado à base de chocolate quente e muito carinho dos pais, o protagonista de punk não tem nada senão a aparência invocada, e se vê em uma enrascada quando seu amigo Luís fura de última hora e deixa de ir ao show de punk rock com Matias e Maria. A garota, por sua vez, chama um colega da faculdade, Daniel, que é tudo aquilo que o jovem Matias odeia.

    Rico, bem apessoado, simpático e descolado, o inesperado rival supera Matias em todos os quesitos possíveis, menos no da bizarrice. Como todo jovem que se arrisca a tentar ser o que não é, em busca de autoafirmação, Matias entra em uma espécie de surto que beira à inveja e paranoia, e esbarra nas limitadas capacidades do jovem em se impor diante de quem quer que seja.

    Com pensamentos pré-fabricados e cujas significações ele mesmo pouco entende, Matias deseja a derrubada de algo que ele mesmo não faz ideia do que seja, tudo em nome do apelo visual, da “atitude punk” e descolada que ele acredita ter. Fracassado em todas as áreas da vida, o jovem acumula decisões ruins em sequência, quando tudo o que queria era se declarar para Maria.

    Ao desperdiçar as oportunidades que surgem diante de si, Matias vai pouco a pouco perdendo espaço para Daniel, ficando à margem da situação (o que não deixa de ser irônico, uma vez que viver à margem da sociedade era o grande intuito dele), o que o faz sair desconfortavelmente de perto em busca de calma – e cervejas.

    Quando retorna, Matias vê Daniel e Maria se beijando, algo que o desnorteia completamente. O punk apaixonado se vê completamente destruído e, desorientado, se vê em meio a uma roda punk, um espetáculo dantesco de briga de rua na plateia do show. Sem qualquer tipo de experiência em combate, o jovem ao menos tem seu corpo tão machucado quanto o coração, retornando para perto de Maria todo alquebrado e… sem as calças. A este fato, Matias dá o título de “parte mais triste da história”.

    A trama, narrada em primeira pessoa pelo próprio Matias, acerta muito no tom cômico, bem como no traço cartunesco de Medeiros, que explora a absurdidade do jovem punk tanto no seu falar quanto em sua concepção visual exagerada e hilária. A forma como Medeiros expõe as incongruências que levam as pessoas a fingirem ser algo que não são, em busca de encaixe no mundo, é bem interessante e expõe uma grande capacidade sintética do autor, que rapidamente dimensiona Matias dentro da história, sem precisar de muitas palavras.

    Narrado em 40 páginas, o conto obtém êxito ao arrancar do leitor risadas genuínas, principalmente de quem já era vivo nos anos 90 e consegue identificar muitas das referências temporais contidas na obra.

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  • Resenha | O Segredo da Floresta

    Resenha | O Segredo da Floresta

    Em tempos de individualidade quase extrema, da ‘distância entre corpos presentes’ que as ofertas tecnológicas promovem, de tempos em tempos uma pulguinha atrás da nossa orelha nos lembra de sair da frente das telas, telinhas e telões, e fazer contato físico e real com quem está a nossa volta. Com o futuro atrás da porta, e sempre batendo para entrar, os mais conservadores apontam que é provável que essa pulguinha não viva por muito tempo, e a interação entre as pessoas fique cada vez mais fria, intangível e distante. Sendo assim, O Segredo da Floresta é um doce lembrete para todas as idades que vale a pena sim repousar a atenção, e perceber que, aquilo que Gandalf fala para Bilbo Baggins, no começo da saga O Hobbit, é a mais pura verdade.

    ‘O mundo está lá fora’, e sempre vai estar. Uma graphic novel para todas as idades, sim, mas especialmente às mais jovens que com certeza apreciam muito mais uma narrativa simplória, e com grande apreço pelo uso das imagens e cores chapadas dando o tom, nessa aventura familiar muito menos descompromissada do que parecer ser. Aqui, quando a matriarca da casa viaja para cuidar da mãe doente, o pai não desiste da pescaria que havia marcado com os amigos, e resolve levar os filhos um tanto ‘incomunicáveis’ para essa noite especial, e irreverente, ao ar livre. A mensagem, então, é clara: quando há um abismo entre as pessoas, é preciso construir pontes caso ainda haja um pingo de interesse em não afastá-las, ainda mais.

    De prontidão, é claro que Nina, a filha mais velha e adotada, resiste em sair com sua família, enquanto Lucca, o mais novo e seu inseparável cãozinho mostram-se afoitos, mais animados que a própria figura paterna que acaba convencendo-os, finalmente, a passarem um tempo juntos. A história mostra como pessoas da mesma geração percebem-se e veem o mundo de formas diferentes, e que de previsível as pessoas não tem (quase) nada. Ambos os irmãos carregam dificuldades claras em se comunicar, e com um ‘mundo novo’ a experimentar, para aqueles que não saem da frente do celular e dos laptops, eles se perdem do pai para resgatar o cão que se embrenha na mata fechada e noturna, tal um chamado do destino à aventura reconciliadora.

    O Segredo da Floresta, publicação da editora Panini cujo zelo estético pelas histórias é sempre muito grande, mira em cheio o público infanto-juvenil e acerta o interesse da garotada com suas mensagens simples, e valiosas, e com seus elementos fantásticos que nunca ofuscam os propósitos desse conto. Os desafios de uma floresta a noite, cheia de perigos e infestada de surpresas, unem Lucca e Nina como posts engraçadinhos das redes sociais jamais fariam, de verdade, fazendo-os sentir e ter a certeza, ao longo das situações, que os laços entre eles não precisam ser tão frágeis, assim, do jeito que o cotidiano, repetitivo e entediante, (n)os faz pensar que sejam.

    Talvez o grande segredo aqui, surreal como as crianças gostam, e mostrado através do traço inconfundível de Felipe Nunes, de Dodô, seja o mistério de como manter uma relação, não apenas em tempos cheios de desafios reais e enormes para isso, mas de como fazê-la dar certo diante das adversidades que surgem, inevitavelmente, para qualquer um. Se o dia a dia afrouxa até os contatos mais importantes, não caberia a nós melhorar as coisas antes que elas terminem indo para o ralo? Nunes e o músico poeta Thedy Corrêa criaram uma HQ que diverte e faz pensar, e essa sempre foi a principal intenção dessa adorável publicação brasileira.

    Compre: O Segredo da Floresta.

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  • Resenha | Dodô

    Resenha | Dodô

    “Do lado de lá tanta aventura
    E eu a espreitar, na noite escura
    A dedilhar, essa modinha…” – Até Pensei
    , Chico Buarque.

    Quem é o seu Dodô? O que é o seu E.T.? Deus, a arte, os pesos da academia? O substituto das ausências que a vida separa para cada um de nós surge de tantos lugares, em tão diversas formas, que fica fácil a gente escolher mais de um escape para nos preencher, de alguma forma. Nas sociedades do século XXI, as várias opções tecnológicas vêm exercendo esse papel de “amigo imaginário”, tanto para crianças como adultos, em todos os ambientes e situações possíveis. Parece que a realidade, quando não é mais o bastante, seja pelo motivo que for, faz a mente por si só precisar dos seus consolos básicos e práticos de todo dia.

    A inspirada e leve história em quadrinhos Dodô trata exatamente do desdobrar desses temas, uma espécie de auto engano voluntário que fazemos para escapar de certas situações difíceis – a separação dos nossos país, ou aquela festa chata em família de fim de ano. Laila vive entediada, e ainda por cima fora da escola primária, os seus dias se arrastam num ciclo sem novidades e pura solidão, com uma mãe que trabalha para a filha, mas sem viver para ela. Sem ninguém, exceto a babá Neide que tampouco tem tempo pra ela, a imaginação da menina dá vida ao vácuo existencial que só aumenta. Injeta ânimo, borrifa as cores que toda criança ainda carrega nos olhos, e assim, criativa, projeta infinitas alternativas ao tédio. Até uma delas se tornar realidade.

    A diferença da sua maior criação, cheia de penas e um bico enorme (aquela ave colorida que o menino de UP: Altas Aventuras adota na floresta, ou aquele bicho amalucado de Alice no País das Maravilhas) para um celular de último tipo, com tela gigante e cinquenta e oito câmeras traseiras, é ser um organismo vivo, ao invés de um mecânico e frio. A partir disso, as distinções de um para o outro são poucas, como se nota aqui na belíssima graphic novel brasileira de Felipe Nunes. Ambos são ferramentas servindo a quem as precisa, importantes e um tanto encantadoras. Dodô surge num arbusto do parque municipal Santa Mônica, inquieto e impossível de não se notar pelo tamanho do bicho, como a tela de um iPhone que se acende no escuro. Alguém deu o comando, numa tarde normal de verão – até agora.

    E quando Laila, de seis anos, a melhor idade, o olha pela primeira vez como quem invoca algo sem perceber o poder da sua vontade, vê nessa criatura a resposta (inventada) pro seu vazio. Filha de pai recém divorciados, a aventura precisa brotar de algum lugar, e não apenas nos seus sonhos – como quando Dodô aparece para Margarida, o apelido de Neide para ela, e a leva montada nas suas costas até uma escrivaninha que contém o motivo pela separação que tanto abalou emocionalmente a menina. Sonhando acordada, já que ela não tem contato com outras crianças, Laila e seu pássaro escudeiro não encontram gaiolas para alcançarem o afeto que falta no cotidiano, neste belo conto de cunho pedagógico de mensagens verdadeiramente universais, e facilmente acessíveis para todos os tipos de público, e idade.

    Um escapismo clássico regido por uma irreverência e uma fé infantis a toda prova, mas que, sob a sensibilidade de Felipe Nunes, esse jovem quadrinista de 23 anos, torna-se simbólico e gracioso até, provavelmente, não poder mais. Bem conservado pelo zelo que a editora Panini apresenta em suas publicações, o uso das cores em mil e uma formas abstratas é necessário, transmitindo, através de suas vibrações, uma psicodelia visual que abraça a existência de um amigo imaginário dentro de uma casa normal invadida pelo fantástico, pelo corre-corre que quebra as “coisas de adulto” que Laila não quer saber. Ela não precisa saber. Laila precisa, isso sim, de mais escola, menos discussões familiares e, se possível, de um amiguinho de verdade. Mas pelo menos sua mãe não lhe dá um celular para fazê-la ficar quieta. Sortuda.

    Compre: Dodô.

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  • Resenha | Open Bar v. 1

    Resenha | Open Bar v. 1

    Léo e Barba são amigos de longa data. Após receber um bar como herança de seu pai, Barba convida Léo, por livre e espontânea pressão, a assumir o estabelecimento junto com ele. A partir daí, vida nova para ambos: se mudam para a cidade do bar e vão morar no apartamento em cima dele.

    Open Bar traz uma história relativamente simples, porém muto bem contada. A narrativa de Eduardo Medeiros (autor de A História Mais Triste do Mundo, Sopa de Salsicha, dentre outros) é maravilhosa, sem excessos de texto e muita irreverência. Gírias e xingamentos são usados de maneira bem natural, humanizando ainda mais os personagens. Aliás, os protagonistas esbanjam carisma.

    Aliada à excelente narrativa ácida, temos um estilo de arte minimalista e cartunesco, que dá um ar divertido à obra. Pouquíssimas cores são usadas, em geral tons de vermelho, nada muito além disso. Isso deu uma identidade interessante à obra, que já se mostra desde a capa.

    Apesar da atmosfera descontraída, existem subtextos mais sérios e até pesados, envolvendo relacionamentos, drogas e iniciações sexuais. Algumas referências à cultura pop-nerd estão lá, algumas sutis, outras nem tanto, e nada disso prejudica. Alguns lampejos de exagero existem, como a referência a De Volta para o Futuro, e o final completamente inesperado, referência explícita a um filme que… bem, leiam e descubram. Não vou estragar a surpresa.

    Por mais que o pano de fundo seja a administração do bar, o ponto forte da narrativa são os conflitos dos personagens. Os dois amigos discutem frequentemente, mas Barba se preocupa bastante com Léo, pois este quer insistir em um relacionamento falido. A nova empreitada – o bar – é uma forma que Barba encontrou de fazer Léo esquecer o passado. O problema é que nenhum deles sabe administrar um bar… mas isso é apenas um detalhe, não é mesmo?

    Open Bar é uma gata surpresa dentre os quadrinhos nacionais. A leitura flui muito bem, vai ser fácil terminar numa sentada só. A mescla de humor e assuntos sérios foi muito bem feita, e ao final, resta uma vontade enorme de ler a continuação. Ótimo material lançado pela Stout Club.

    Compre: Open Bar.

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  • Resenha | Far South

    Resenha | Far South

    Far South é uma espécie de “faroeste moderno”, com ambientação suja numa história violenta. A obra é dividida em capítulos curtos, todos se passando na mesma cidade e com personagens em comum. Cada segmento narrativo tem seu início, meio e fim, porém as consequências se refletem nos capítulos seguintes, um bom trabalho do roteirista uruguaio Rodolfo Santullo. A arte ficou a cargo do argentino Leandro Fernandez, apostando em um traço simples e sujo. Apesar de seguir um padrão em preto e branco, cada capítulo possui uma cor adicional, bem desbotada, criando uma aparência de antigo, remetendo até mesmo a um noir (especialmente pela existência de uma femme fatale e dos personagens dúbios e amorais). As sombras estão bem destacadas em preto sólido ao invés de hachuras, deixando a arte mais carregada. O artista tem grande habilidade em retratar a violência, até porque trabalhou em obras nessa vertente, como Justiceiro MAX, Wolverine e títulos do selo Vertigo.

    Apesar da arte mais simples nas histórias, os capítulos são abertos com uma ilustração mais realista e colorida, muito boas por sinal. Estas ilustrações destacam algum personagem ou situação que será o foco do capítulo. Personagens estes com motivações ambíguas, o que contribui para as reviravoltas da trama. Mesmo aqueles envolvidos em causas sociais acabam se vendendo, tudo pelo instinto de sobrevivência. Qualquer centavo é bem-vindo.

    Toda a narrativa envolve dinheiro, tramoias, um sindicato, sexo e mortes. Os elementos western estão ali, seja no bar estilo saloon, sejam nos tiroteios onde prevalece o mais forte (ou o mais esperto). Podemos enquadrar os acontecimentos em diversos locais do mundo, mas pelo título da obra, vamos acabar associando a algum país da América do Sul, especialmente pelo contexto social do sindicato e greve. Nada mais justo, tendo em vista a origem latino-americana dos autores.

    A leitura flui bem, tudo é bem contado, aos poucos temos revelações interessantes e os pontos vão se encaixando a cada capítulo. É melhor omitir os detalhes da história para não estragar as surpresas, que não são extraordinárias, mas funcionam. Os personagens são bem humanos, nenhum é flor que se cheire, e isso dá qualidade à obra.

    A edição publicada pela Stout Club tem 72 páginas e formato brochura, com papel de qualidade e boa impressão. Uma obra com ar de independente e merece a leitura, especialmente quem é fã da temática faroeste.

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