Crítica | O Sexto Sentido
Após quinze anos de lançamento, não é exagerado afirmarmos que o desfecho de O Sexto Sentido é conhecido por grande parte do público. Desde sua estreia, a obra recebe elogios e foi responsável pelo destaque a M. Night Shyamalan, que dirige uma trama sobre um garoto que vê fantasmas e é ajudado por um psicólogo juvenil, em um suspense que reverencia o cinema de Alfred Hitchcock.
A qualidade desta produção e uma consequente exigência do público de que outros filmes do diretor apresentassem um plot twist surpreendente e bem realizado talvez tenham sido significativas na derrocada de sua carreira, hoje quase sem credibilidade. Parece absurdo que este mesmo diretor, que na época conquistou comparações exageradas com o mestre do suspense – uma inspiração confessa de Shyamalan –, tenha realizado posteriormente uma adaptação regular do excelente desenho Avatar, feito um suspense bizarro sobre a natureza em Fim Dos Tempos e uma insossa ficção científica com Will Smith e o filho.
O Sexto Sentido é um excelente thriller psicológico, bem executado no roteiro e na direção. Bruce Willis ainda era um ator de renome, em uma posição confortável de papel de destaque em filmes de ação – atualmente, Willis parece ter voltado somente para salvar filmes do gênero do desastre completo, vide G.I. Joe: Retaliação, R.E.D. – Aposentados e Perigosos –, uma vertente interpretativa perdida em sua velhice. Confiando em sua performance, o ator é um premiado psiquiatra infantil que trata infantes com distúrbios mentais ou sociais. Após um evento traumático envolvendo um antigo paciente, o Dr. Malcolm Crowe estuda o caso de Cole Sear, um garoto tímido e deslocado socialmente.
Abandonado pelo pai na infância, Cole estabelece uma relação paternal com Malcolm, transformando-o no único adulto confiável de seu círculo. A perda do pai é a primeira ruptura familiar do garoto, e também o princípio traumático que trazem à tona suas visões fantasmagóricas. Consciente de que nem todos são capazes de ver as entidades, o garoto teme contar seu problema à mãe por medo de rejeição. Enquanto a matriarca possui dois empregos para manter o sustento familiar, ela parece desconhecer ou ignorar os abusos que o filho sofre na escola.
Manipulando tradicionais conceitos do terror, o roteiro estabelece uma boa justificativa para a presença de espíritos no mundo real, a mesma base presente em dogmas de certas religiões. Os espíritos seriam seres desencarnados que ainda desconhecem a própria morte e, por isso, permanecem na presença dos vivos. Manifestações físicas aparentemente com baixa temperatura, objetos que se movem, seriam tentativas de contato destes espíritos.
Esta abordagem transforma a sugestão no melhor recurso cênico para provocar medo. Nem sempre o horror é visto na tela, mas imaginado pelo público com base em seus medos internos. Shyamalan realiza bonitas cenas em uma linguagem cinematográfica própria e repleta de símbolos visuais. O uso do vermelho indica cenas de maior tensão sobrenatural, um detalhe que permite ao espectador, em uma segunda exibição, observar as pistas dadas pelo roteiro até a revelação no desfecho da trama.
A edição, com cenas breves e finalizadas em um rápido fade-out, passa a impressão de uma narrativa entrecortada. Somente ao final do filme, compreendemos o motivo da narrativa elíptica, que amarra suas histórias em pequenos três atos. Primeiro, o caso de Cole encerrado pelo Dr. Malcolm. Ao propor ouvir os mortos, o garoto encontra paz à sua maneira. Pressupomos que ele será um destes mediúnicos que dialogam diretamente com o outro mundo, à procura de ajudar mortos na passagem além-vida. Em seguida, Cole faz as pazes com a mãe em uma bonita cena em que revela sua percepção sensitiva ao observar os mortos em um acidente de trânsito à sua frente. Talvez em seu pensamento infantil, o garoto nunca imaginaria que a mãe poderia aceitá-lo. Por fim, o gancho que muda a perspectiva do roteiro e, sem dúvida, produz uma boa revelação.
Diante desta informação, rever a obra é procurar pistas e inferências, inseridas, em cenas, diálogos e cenários, por Shyamalan. Na cena em que Cole revela ao doutor sua capacidade de ver fantasmas, a cena seguinte é um close no rosto de Bruce Willis. Em seguida, ao comentar sobre a falência de seu casamento, o psiquiatra menciona a mudança da relação após um problema – o acidente no início do filme. Um jogo que expõe pistas ao público de maneira pontual, até o final revelador.
Mesmo visto após conhecer a revelação, o suspense estabelecido e a tensão dramática da obra ainda produzem um intenso thriller. Bom motivo que trouxe popularidade ao diretor, com um perfeito equilíbrio que nunca mais conseguiu compor. Chega ser espantoso que, hoje, ainda viva à margem deste brilhante filme sobre espíritos.