Crítica | O Tempo e o Vento
Esta não é a primeira adaptação da obra do escritor Érico Veríssimo. Em 1967, O Tempo e o Vento foi levado para a televisão em formato de novela, dirigido por Dionísio de Azevedo e dividido em três partes. Novamente, em 1985, a TV Globo criou a bela minissérie dirigida por Paulo José, em que trazia Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo e Glória Pires como Ana Terra. Apenas em 2013, a obra de Veríssimo ganhou uma nova adaptação, dessa vez para os cinemas e com direção de Jayme Monjardim.
O longa dá início com o belo trabalho de fotografia de Affonso Beato, explorando as paisagens dos pampas gaúchos em um pôr-do-sol esmaecido. Mostra-se a chegada do Capitão Rodrigo (Thiago Lacerda) até a casa da família dos Terra Cambará para encontrar-se com a já centenária Bibiana (Fernanda Montenegro), em meio ao cerco de sua casa pela família Amaral, inimiga declarada dos Terra Cambará.
Adaptar uma obra como O Tempo e o Vento para os cinemas não é tarefa fácil. A série literária de Veríssimo conta a história de gerações de famílias marcadas por romances e guerras no Rio Grande do Sul. Condensar tudo isso em apenas duas horas de exibição, sem parecer superficial, exigiria uma habilidade que Monjardim deixou a desejar.
A trama envolvendo a família Terra Cambará é narrada por Bibiana Terra, apresentando toda a história de formação de um período do Brasil. Primeiramente, acompanharemos a história de amor de Ana Terra (Cléo Pires) e o índio Pedro Missioneiro (em uma bela interpretação de Martín Rodriguez). Logo após, Bibiana relembra seu romance com o Capitão Rodrigo Cambará. A narrativa de Bibiana relembra aproximadamente 150 anos de história de amores, capazes de resistir às guerras e grandes tragédias.
Dito isso, fica mais claro entender a proposta de Monjardim. Contudo, isso não torna mais fácil aceitar algumas de suas escolhas. Sua adaptação busca um tom novelesco, até mesmo burocrático, e seu olhar é voltado apenas para o romance entre os protagonistas. Não espere encontrar muito contexto histórico e político, que é apenas pincelado. Utilizada em segundo plano, a conjuntura da época só aparece como justificativa de que não foi esquecida.
Castelhanos, Farrapos e Guerra do Paraguai são temas apenas mencionados, dando-se pouca explicação ao que estava acontecendo e sobre o que aquelas batalhas se tratavam. Tudo isso acaba com um gosto ruim na boca. Monjardim parece carecer de objetividade narrativa. Se seu desejo era fundamentar sua obra através de uma trama romântica, deveria ter focado nisso desde o início, colocando alicerces ao longo da história de amor entre Rodrigo e Bibiana e deixando o restante em segundo plano. Contudo, ao abrir a lente filmando um épico, a dimensão de sua obra se esvai em uma narrativa superficial.
Ainda assim, O Tempo e o Vento está longe de ser um filme ruim; o universo recriado por Monjardim tem personalidade própria. O conceito de que tudo que Deus tira para dar novamente é muito bem explorado ao longo da trama, tempo cíclico a que Veríssimo idealizou em sua obra. O personagem de Rodrigo, muito bem interpretado por Lacerda, esbanja carisma e utiliza muito bem os olhares para demonstrar suas emoções, assim como Fernanda Montenegro, como de costume, se entrega ao papel da velha senhora Bibiana. Difícil não se emocionar com a cena inicial em que Lacerda, com suavidade, carrega Montenegro no colo levando-a até a janela.
O Tempo e o Vento tem escolhas de roteiro que dificilmente passarão batidas, mas ainda assim é um belo material. A obra de Monjardim ganhou uma versão televisiva em formato de minissérie para a TV Globo, mas resta saber se os problemas narrativos do filme não sejam repetidos na versão para a televisão, não interferindo, assim, na qualidade da obra.
“Uma geração vai, e outra geração vem; porém a terra para sempre permanece. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu. O vento vai para o sul, e faz seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo seus circuitos.”