Crítica | E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?
Os Irmãos Coen são conhecidos por criarem exóticos personagens em meio ao retrato realista de um determinado local ou época, como podemos ver em Fargo, O Grande Lebowski e principalmente Arizona Nunca Mais. Em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, voltamos ao sul dos EUA, no período da Grande Depressão, quando três presidiários, Everett Ulysses McGill (George Clooney), Delmar (Tim Nelson) e Pete (John Turturro), fogem da cadeia rumo a uma missão de resgatar o tesouro que Everett havia roubado e escondido.
Logo no início do filme, somos avisados que o roteiro é baseado n’A Odisseia de Homero. Como em Fargo os Coen já haviam pregado uma peça no espectador ao dizerem que o filme se baseava em uma história real, todo cuidado é pouco na hora de levá-los muito a sério. Porém, o que vemos é que o filme realmente se utiliza de elementos da narrativa do clássico grego, mesmo no nome do personagem principal, até mesmo nos confrontos e sucessivas confusões que os protagonistas se deparam, como o “Ciclope” Big Dan Teague (John Goodman), as três sereias no rio e a urgência de se chegar em casa antes que a esposa de Everett se casasse com outro homem.
O filme tem tons de comédia pastelão, em homenagem ao cinema da época, com frases feitas e situações bobas, mas nunca gratuitas. Os três protagonistas se completam, cada um dentro de sua atuação, personificando um estereótipo da época: o bandido sulista malvado clássico, o bandido culto e o bandido de bom coração. A fotografia do sul do Mississipi, com seus pântanos e florestas quentes e densas, é bem utilizada em cada sequência, nos fazendo sentir que estamos naqueles locais, pois cada tomada tem um propósito singular de servir unicamente à história.
Outro destaque é a trilha sonora, composta por canções folk do sul norte-americano muito bem executadas, e que são um personagem à parte na história, pois fazem os bandidos virarem astros de uma pré-indústria cultural quase de forma nativa, em uma alusão ao fato de que a musicalidade é inata ao sulista, tão forte é esta característica na região. Destaque também para o sotaque sulista, em que podemos ver, assim como em Arizona, a entonação perfeita de cada palavra e letra da forma simpática que os sulistas fazem. Isso infelizmente perde-se um pouco na tradução do título original para o português; “Ó Irmão, Onde Estarás?” ficaria mais fiel à proposta original.
Outros pontos mais polêmicos são abordados, como política e racismo: há uma disputa política entre dois figurões da cidade que concorrem ao cargo de governador do estado, e apesar de nos ser mostrado desde o início que um seria ruim e outro bom, logo essa falsa crença é desmontada ao colocar a figura que supostamente iria renovar a política em um encontro da KKK, também tratada da forma como deve ser, a de uma interpretação simplista e falsa da complexa realidade local.
Em meio a tantas informações subjetivas que temos de absorver, a história principal acaba ficando em segundo plano, assim como alguns personagens que poderiam ser mais desenvolvidos, como Tommy (Chris Thomas King), um músico que acaba de vender a alma ao diabo para tocar bem o violão, mas que só fica nisso, deixando no ar uma oportunidade perdida de flertar com outro elemento cultural conhecido do sul.
Apesar de não ter a profundidade de Fargo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? garante uma boa diversão e uma imersão a um universo fabulesco que garante boas risadas e nos remete a uma época e lugar que poderiam ter sido boas, mesmo que a realidade nos diga o contrário.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.