Tag: tyler perry

  • Crítica | Garota Exemplar

    Crítica | Garota Exemplar

    A narração da intérprete Rosamund Pike contempla uma ode a automartirização de mulher, afirmando merecer castigos físicos e mentais. Amy Elliot é a alcunha da relatora, uma escritora best-seller que comemora cinco anos de casado com Nick Dunne (Ben Affleck), um sujeito inexpressivo e passivo, apesar de ter alguns fatos no passado que supostamente desmentem esse arquétipo tacanho e tímido.

    O encontro cósmico, que reuniria o casal focado na trama é mostrado de modo leve, moderno e deveras atrativo. Ele livraria Ela do deslumbramento, fazendo-a se apaixonar, pervertendo a ideia do ludibriação entre um e outro. Nick era belo, inteligente, sedutor, como todo o mal da Terra.

     Após o preâmbulo, Dunne se mostra surpreso com o sumiço de sua amada. O roteiro em forma de recordatório esconde de modo muito competente a falta de dramaticidade de Affleck, usando isto a seu favor, além de apresentar o afeto dele por sua amada de uma maneira singular, tão única quanto sua percepção do mundo em volta. As feições de Dunne são difíceis de ler, especialmente porque a trama favorece o seu mistério, grafando sua ironia e mantendo longe as informações que preencheriam o quebra-cabeças.

    A chegada do pai de Nick senil representa não só o inconveniente de parar a investigação, mas também o temor de a insanidade acometê-lo como na geração anterior. O relato via diário de Amy prossegue, torpe, sujo, sacana e real. Os estratagemas se encaixam tão bem que parecem até armados, montados para formar o puzzle perfeito. Garota Exemplar consegue ser simultaneamente um thriller e um objeto vago e de difícil decifragem.

    O modo como as pistas são despostas apresenta elementos pseudo-metalinguísticos, quase quebrando a quarta parede, ainda que tal exercício seja bastante comedido no início, regado a um humor nonsense, condizente com a literatura de Amy, como uma caça ao tesouro, de intenções não expostas por completo.

    Da exemplar personagem Amazing Amy até a pervertida e – segundo ela mesma – garota má, a senhora Dunne se mostra confusa, irresoluta e preocupada com o que ocorrerá sob seu lar. Ela luta para não ser a megera controladora. A gentileza com que Nick trata a todos é confundida com falta de preocupação, fruto da sua dificuldade em ser ou se mostrar empático. Ele se sente grato pela ajuda do povo, mas vive um inferno encerrado em si mesmo.

    Aos poucos é revelado o descontentamento de Amy em mudar-se para a terra de seu cônjuge – Missouri – longe da urbanidade de sua Nova York. O fracasso em salva sua sogra faz custar muito de sua moral, uma vez que ela era a válvula de escape para ele, somente usada no sexo. Um objeto. Notar o desprezo não é nada perto da percepção dele em estar amedrontada.

    A insensibilidade acaba sendo mais um indício de culpa e de associação a sociopatia para o marido da “vítima”. Nick sente-se estafado por sempre ser julgado como um crápula por praticamente todas as mulheres em tela. O fato dele não ser um exemplo de conduta não garante a si a culpa automática. As mentiras que pratica pregam contra a sua inocência e ele não para. Fato é que ambos se sentiam como intrusos.

    O roteiro apresenta alguns twists, exibindo a desaparecida arquitetando um plano, cujo senso de punição e vingança, supostamente feita pela mulher. Tudo urdido como deveria ser, pelas mãos de uma perfeita e experiente contadora de história, que busca justiçar aquele a quem machucou-a, pondo a testosterona como objeto de ódio. O ego amargurado a faz ser verborrágica em seu processo de revide, absolutamente fria e minuciosa. O paradigma da vilania muda, desde a suspeita do impingidor do mal até a feitoria do plano maligno. Até o trabalho detetivesco muda de mãos, numa assaz estratégia narrativa em reverter clichês do gênero policial.

    As falhas de concepção dos planos de Amy/Nancy ajudam a aumentar o escopo de realidade, assim como o transtorno de limpeza dela. Mesmo dando errado o primeiro plano, ambos os lados da contenda prosseguem avançando, movidos por instinto na maioria das vezes. Até os papéis de manipulador e manipulado mudam, assim como há reviravoltas com relação a quem dá as cartas a mesa.

    O cinismo carregado nos atos de cada uma das pessoas mostradas pela câmera de Fincher proíbe o espectador de torcer por qualquer um dos personagens. O jogo de lobos prossegue, repleto de erros e de surpresas da parte dos que pareciam ingênuos ou incautos. A situação consegue se sustentar tão louca – e sanguinário – que o planejamento secundário beira a perfeição, assim como a direção da obra. A lente de Fincher é tão fria quanto o caráter de Amy, igualmente psicopata e calculista. A falsidade manipuladora e carismática de Garota Exemplar faz deste um dos melhores suspenses de sua filmografia, destes, o que mais valoriza a ambiguidade de alma e de ethos, sendo deveras amoral, cuja culpa ou arrependimento passam longe, onde o sangue dos inocentes é facilmente retirável, com um ato tão corriqueiro quanto um banho antes de dormir.

    A vida idílica e dissimulada ganha o posto de fantasia suprema, numa alegoria ao eterno teatro chamado casamento, cujo uma das partes tem de viver sob o fio da navalha, como uma presa fácil a espera do seu abatimento inexorável. O roteiro Gillian Flyn é baseado na dualidade típica de um casal, se valendo de um personagem feminino forte, que conta uma história forte, valendo-se da manipulação, a mãe de todos os pecados de vaidade, que faz da tirania da felicidade a base do sentido hipócrita de viver.

  • Crítica | A Sombra do Inimigo

    Crítica | A Sombra do Inimigo

    poster-a-sombra-do-inimigo

    Alex Cross – A sombra do inimigo é um misto de thriller de serial killer e filme de ação que nos conta a história do detetive Alex Cross (Tyler Perry). Durante as investigações de um sádico assassinato, ele se envolve em uma trama conspiratória ligada a poderosos empresários, trazendo consequências não apenas a ele e a seus companheiros de polícia, mas também à sua família.

    Alex Cross e seus métodos de investigação fazem Sherlock Holmes parecer um iniciante, e isso se torna um dos primeiros problemas do filme. Ao analisar uma cena de relance, Cross já sabe quase todos os pormenores do caso, como cada detalhe aconteceu. Mais alguns segundos de análise e já consegue descobrir o modus operandi, que ele é um serial killer, voltará a atuar. Traça até um perfil psiquiátrico completo, sem nunca ter tido contato anterior com o criminoso, isso tudo com a ajuda de um desenho que o assassino deixa na cena do crime como pista para seu próximo ato. Em função desse desenho ele recebe o pseudônimo de Picasso. E a grande pista secreta, deixada por Picasso, é um nome formado a partir da dobradura do desenho, algo típico de revistas juvenis. Tudo muito pueril e óbvio principalmente porque as cenas se intercalam com flashbacks do assassinato, sempre confirmando que Alex Cross está 100% correto.

    O detetive que nunca erra mais à frente errará em uma das suas preposições. Como um castigo à sua autoconfiança exagerada, esse erro desencadeará fatos que mudarão a sua vida e a de seus pares, o que imediatamente dará o estopim para a busca implacável por vingança desse paladino da justiça. Ao ver-se impossibilitado de agir pelos meios legais, ele fará disso uma vingança pessoal, no velho clichê do policial entregando o distintivo. Se tudo isso fosse num filme de ação despretensioso, com alguns astros dos anos 80 nos papéis principais, seria ótimo. Mas não é: tudo é levado com absoluta seriedade e suposto realismo, traduzido inclusive pela câmera na mão nas principais cenas de ação, tentando colocar o espectador dentro da cena, mas é apenas falha e só traz incômodo.

    Outro ponto a se ressaltar é que quase tudo em A Sombra do Inimigo acontece com absurda sincronia temporal: coincidências seguidas de coincidências, colocadas na trama de maneira jogada, sem construção, apenas com o objetivo de resolver ou introduzir pontos chaves da história. O ápice disso se dá com uma batida de carros, totalmente ao acaso, que resulta no clímax final do filme.

    O único alento de A Sombra do Inimigo, que seria a transformação física e a construção do assassino Picasso por Matthew Fox, se perde em meio a um roteiro pífio, com situações sem pé nem cabeça para dar razão aos seus atos. Um exemplo disso é quando somos apresentados a ele numa luta de MMA, com seus 60 quilos, enfrentando um peso pesado. O personagem de Fox avisa: “Se me socar o rosto, você não lutará nunca mais”. Depois de apanhar muito, quando finalmente recebe um soco na face, ele entra em modo paranoico e acaba com seu oponente no segundo seguinte – fato que convenientemente não se repete em uma briga futura com Cross.

    Como se não bastasse tudo isso, terminamos com um plot twist envolvendo o bilionário vivido por Jean Reno, que serve apenas para validar as origens, até há pouco desconhecidas, da série de assassinatos. Novamente, apenas um artifício de roteiro para tentar fechar uma história mal construída. Melhor seria se esses pormenores ficassem em aberto; assim, pelo menos não seríamos obrigados a mais uma cena em formato de esquete, misturando uma gag com o castigo e redenção final do vilão e herói.

    Entre reviravoltas, situações e conceitos abordados e abandonados na sequência, coincidências, há personagens em excesso, que são introduzidos e depois simplesmente esquecidos, enquanto outros têm atitudes que não se justificam. Com tudo isso,  A Sombra do Inimigo erra em quase tudo a que se propõe. Nem mesmo as cenas de ação – que já foram bem feitas pelo diretor Rob Cohen em Velozes e Furiosos – empolgam o espectador, graças a uma câmera infeliz, tremida, impossível de acompanhar, que torna o filme uma experiência ainda pior.