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  • Crítica | A Comunidade

    Crítica | A Comunidade

    A Comunidade - poster
    Certos diretores possuem uma trajetória cinematográfica tão distinta que cada um de seus filmes carregam uma expressão coletiva além da interpretação individual de cada história. Uma espécie de expectativa projetada pelo público acostumado com sua linguagem narrativa. Dono de uma carreira prestigiosa, a nova produção de Thomas Vintterberg se desenvolve a partir desta expectativa, ainda mais considerando o excelente A Caça, lançado em 2012.

    A Comunidade retorna à década de 70 para apresentar Erik (Ulrich Thomsen) e Anna (Trine Dyrholm) um casal de acadêmicos cheio de sonhos que, devido aos altos gastos de manutenção de uma casa, decidem formar uma comunidade agregando amigos e possíveis desconhecidos. Convivem harmoniosamente em um local com regras estabelecidas, sem a imposição de um líder, entre jantares em comunhão e reuniões para conhecer as expectativas e frustrações de todos. Até que Erik se envolve com outra mulher.

    A trama apresenta certa frieza a expor a nova relação, bem como transforma a reação da comunidade em um ato inexpressivo, aceitando a traição sem nenhum incomodo aparente. Diante de uma situação observada como um pequeno conflito, a esposa, Anna, convida a amante para integrar a comunidade. A partir desta mudança, a trama destaca o drama da esposa, claramente perturbada com uma nova convidada que entra na comunidade ao seu pedido mas adentra de surpresa o equilíbrio de seu casamento.

    O estilo característico das obras do diretor, conduz o leitor a refletir se há um significado maior na história em suas entrelinhas. A trama desenvolve um cosmos específico em que há regras diferentes daquelas desenvolvidas pela sociedade, agregando em um mesmo teto uma família formada por laços afetivos além dos sanguíneos. Porém, além desta amizade, nenhuma discussão explicita sobre o caso corrompe a harmonia da comunidade, exceto a sensação de que tudo parece frio, como se o grupo não tivesse reconhecimento dos sentimentos e atos, vivendo sob uma possível aceitação de liberdade.

    Analisado sob um viés de falso moralismo, corrompido quando surge uma traição real, a trama poderia ser mais uma história simbólica sobre problemas em sociedade. Porém, a condução sem nenhum arroubo emocional a não ser da esposa, não parece dar indícios suficientes de que a intenção da trama é apresentar uma crítica que, embora bem diferente da obra anterior, fosse tão contundente quanto ela.

    A falta de um caminho estreito para conduzir a narrativa, produz um resultado interpretativo ao extremo para o público. Se ele desejar se apoiar no estilo do diretor, poderá interpretar a obra com maior qualidade. Se desconhecer as obras anteriores, talvez reconheça que o estranhamento diante da traição é maior do que qualquer conflito dramático em cena, mas que tal entrave não leva a lugar algum.

     

  • Crítica | Segunda Chance

    Crítica | Segunda Chance

    Segunda Chance 1

    A reabilitação anunciada no título do filme de Susanne Bier se perde diante da imundície do apartamento investigado pelo detetive policial Andreas (Nikolaj Coster-Waldau), que adentra a casa do junk Tristan (Nikolaj Lie Kaas), que vive junto a sua parceira Sanne (May Andersen). A vida degradante dos personagens se resume a práticas sexuais na sujeira típica daquele micro universo, regada a muita bebida e heroína. A condição se agrava quando Andreas percebe a presença do recém-nascido Sofus, que chafurda em uma fralda imunda, e que claramente estranha toda a agitação no apartamento, derramando lágrimas e gritos. A partir daí, nota-se que a história será narrada a partir do choro de bebês.

    Na intimidade, o protagonista chega a um lar igualmente perturbado, ainda que a sujeira não impere no lugar. O cuidado paterno dele e – supostamente – o de sua esposa Anna (Maria Bonnevie) com seu pequeno rebento, Alexander. O altruísmo proveniente do cuidado com a criança serve de resposta e contra-ataque à melancolia do começo da fita, assinalando ainda mais o abismo entre o comportamento dos dois núcleos familiares.

    O primeiro aspecto comum entre os modos do clã é a dependência mútua de drogas, ainda que as intenções sejam completamente diferentes. Anna sofre distúrbios mentais, e lança mão de produtos tarja preta, algo originário do desespero diante de mais um trauma, beirando mais um descontrole emocional. Anna ultrapassa uma linha que mesmo a desequilibrada Sanne não cruza, e tal arremedo serve como o primeiro de muitos twists do roteiro de Anders Tomas Jensen.

    Em determinado ponto, a adoção vira a alternativa mais lógica, ainda que seja moral e eticamente discutível, para dizer o mínimo. A árdua “tarefa” mostra-se em uma cena angustiante e bem urdida, que consegue até fugir da aura comumente sensacionalista que o espírito pedia. Andreas, ao cometer sua “indiscrição”, não consegue segurar seu ímpeto, e corajosamente, não nega seu pecado a sua parceira. O vômito de Anna serve de avatar ao asco pelo “roubo”, e, claro, vira também um paralelo com a resposta física ao duro golpe de ter perdido seu filhote.

    De um lado, há a clara preocupação de manter princípios básicos e espirituais, do outro o receio de ser encarcerado, conceitos separados por uma divisa familiar liderada por Andreas e Tristan. Claro, em lados opostos, o que dá forças para o fácil discurso proveniente da mentalidade pseudo meritocrática em relação à paternidade.

    O roteiro não aborda nada novo, de fato, só torce a realidade para uma discussão bem antiga, atualizando a questão para plateias mais moças, ávidas por uma estilização mais categórica e condizente com plateias jovens.

    Os elementos visuais dizem muito, compondo o quadro geral de modo singelo. Como as paredes de vidro, tentam emular uma falsa transparência. O argumento dos junks é refutado, mas o contraponto é pontual e presente na relação de Andreas com seu parceiro Simon (Ulrich Thomsen), que varia entre o arquétipo de mentor falido e companheiro. O segundo twist também é igualmente bem executado em relação a discussão de paradigmas, transformando os dramas em aspectos ainda mais humanos.

    A consciência de Andreas passa a assombrá-lo, assim como a culpa, que insiste em ocupar sua mente e alma apesar de sua recusa. A resiliência toma o espectador de assalto, ao se perceber que não há qualquer personagem a se agarrar, uma vez que o final revela o real caráter de cada um, repleto de crimes e imoralidades indiscutíveis.

    A dolorida verdade faz o personagem principal sentir remorso e retornar ao estado de justiça inicial. Ainda que não haja uma entrega plena, ocorre um abandono da vida pregressa. O inexorável, de que o paraíso não existe e que tampouco cabem finais felizes, é cruel, porém realista, sobrando então a rendição a um destino agridoce e levemente menos culposo, fruto de um roteiro que beira o sensacionalismo, mas entrega uma história congruente.